Por Maria Donzília Almeida
25 de maio de 1963
Elvis Presley
Este mês de maio, mês dos lírios e das rosas, traz-me à memória, ano após ano, um acontecimento que me enche de recordações e nostalgia.
Há cerca de 50 anos, atrás, num belíssimo dia de primavera, já quente, quando as estações do ano ainda eram bem definidas, partiu para os Estados Unidos da América, o Zé da Rosa, na pujança dos seus 43 anos de idade. Com ele levou metade da família: três filhos, de 18, 17 e 16 anos, respetivamente. O Zé, sempre metódico e certinho na gestão da sua vida familiar...Foi a cisão da família, mais um caso do drama da emigração. Partiu cheio de sonhos e carregado de esperança.
Em Portugal, ficou a mãe com as duas filhas mais novas, uma a entrar na difícil fase da adolescência!
Fazendo a retrospetiva daquela época, vivia-se em pleno domínio salazarista, num Portugal rural, sem perspetivas de emprego para a maioria dos trabalhadores. Nas Gafanhas, fazia-se o amanho das terras, numa agricultura de subsistência, que mal dava para matar a fome. A indústria ainda não tinha conquistado terreno, na atual zona industrial da mota, pelo que o destino das pessoas que possuíam alguma ambição e força de trabalho, era a emigração.
Foi nesta década gloriosa que o pai de família, imbuído do espírito de missão, foi colocar os seus rebentos no Novo Mundo. A América, como terra da oportunidade, abria os braços e acolhia aqueles que sonhavam uma vida melhor. Esse acontecimento haveria de mudar para sempre o rumo da minha vida.
Eu que começara a aventura do conhecimento, na senda de Minerva, estava a dar os primeiros passos, mas aguçava-se já a minha curiosidade e a sede da descoberta.
Nesta década gloriosa, teve início uma grande revolução comportamental como o surgimento do feminismo e os movimentos civis em favor dos negros e homossexuais. Como expoente máximo da luta das mulheres pela sua “supremacia” , houve a vontade de mudar o nome à história! Em Inglês, passar-se-ia a chamar Herstory, versus History! Assim nos contou Angela Gillian!
O Papa João XXIII abriu o Concílio Vaticano II e revolucionou a Igreja Católica. Surgiu o movimento dos hippies, que protestavam contra a Guerra Fria e a Guerra do Vietnam, de que o slogan “Make love, not war” era o estandarte. Esse movimento foi também chamado de contracultura. Entre a camada estudantil, teve os seus seguidores e recordo ainda a flor que usávamos, no cabelo e os jeans esfregados com pedra-pomes, para adquirirem aquele ar coçado tão do agrado da juventude! Hoje, anda-se de calças rasgadas, em imitação pobre dos párias e marginais. Esse movimento foi imortalizado pelo cantor americano Scott Mckenzie, na canção “If you’re going to S. Francisco, you should wear some flowers in your hair!”Estava na boca de toda a gente, que o trauteava, fielmente.
Ocorreu também a Revolução Cubana na América Latina, levando Fidel Castro ao poder.
Iniciou-se a descolonização da África e do Caribe, com a gradual independência das antigas colónias.
A grande debandada do país, ocorreu nos anos 60 e dirige-se para a Europa: França, Alemanha, Bélgica, Suíça, etc, mas também para outros países, incluindo os EUA. O impacto deste surto emigratório será tão forte que abala toda a sociedade portuguesa. Em menos de dez anos, emigraram para a França, mais de um milhão Portugueses. É enorme o peso da emigração clandestina, tanto para fugir à guerra colonial como por motivos ideológicos de oposição ao regime.
O apelo do estrangeiro era grande, pela promessa de vida melhor, daí a necessidade de transpor fronteiras. Para isso era preciso ter a “carta de chamada”, para se entrar e residir legalmente no país de acolhimento bem como a garantia de trabalho.
Mas muitos não a conseguiram arranjar e emigraram clandestinamente. Iam “a salto”. Nas fronteiras, escolhiam as zonas de serras inóspitas para não serem apanhados. Eram orientados e encaminhados por “passadores” a troco de elevadas quantias de dinheiro. Em 1960 levavam 8000 escudos (=40 euros). Os que ficavam para trás, nos Pirenéus, eram abandonados pelo grupo e lá morriam. A maioria dos emigrantes ia para França, donde enviavam dinheiro à família. Conta-se que numa aldeia portuguesa, um emigrante mandava ao pai, uma mesada de 10 000 escudos, (=50 euros) enquanto um professor ganhava 3000 escudos (=15 euros). O pai gabava-se: “O meu Tóino… manda-me 10 contos por mês!”
Os emigrantes, sobretudo os que foram para a Europa – França, Suíça, Bélgica, Luxemburgo, e outros, singraram na vida e melhoraram a economia de Portugal, com as poupanças que para cá mandavam. Construíram na sua aldeia uma casa, tipo “maison”, que era a consumação dos seus sonhos. Atualmente, muitos regressaram às suas terras, onde vivem com bons rendimentos, após terem chegado à “retraite”. Outros ficaram por lá, sobretudo aqueles cujos filhos estudaram nesses países e se integraram, na sociedade local.
A aventura do meu pai, no Novo Mundo, fez em mim, desabrochar uma simpatia, mesclada de admiração, pela sociedade americana. Apesar de, na minha juventude académica me terem feito a lavagem ao cérebro contra o imperialismo americano, sobretudo os colegas mais zelosos das ideias vanguardistas de esquerda, nunca me deixei arrastar pela maré. Pelo contrário, o efeito foi exatamente o oposto, pois me fez optar por Estudos Norte-Americanos, na fase final da licenciatura. Ainda recordo o gosto que tive em mergulhar no melting pot americano, em estudar aquela miscelânea de povos que constitui a sociedade americana. Para isso muito contribuiu a socióloga Ângela Gillian, uma americana mestiça com ar exótico e vanguardista para a época! Ostentava três piercings em cada orelha, com as respetivas argolas de tamanhos diferentes de cima para baixo! Eu... olhava-a fascinada e cogitava: - um dia, ainda hei de fazer um piercing, além dos que herdei à nascença! Meu dito, meu feito! Hoje, quase toda a gente tem o seu piercing de estimação!
Deslocou-se, propositadamente, dos EUA, com a sua filha Onika, de produção independente (!?), para nos lecionar a cadeira “História das Ideias e da Cultura na América”! Foi um delírio entrar nesta cultura tão jovem e simultaneamente tão rica! Numa idade cheia de fantasia!
Nesse ano de 1976, ocorreu o Bicentennial Americano, com toda a pompa e propaganda, típicas de um jovem país, com apenas 2 séculos de existência, mas já tão avançado a todos os níveis e a querer afirmar-se ao mundo, como gente crescida e que rumou ao progresso.
Hoje, passado todo este tempo, que me perdoem os imperialistas, mas não consigo detestar os Americanos! Como qualquer povo, têm os seus defeitos e virtudes e dão a possibilidade a todos os cientistas de qualquer país, em qualquer área, de desenvolverem os seus projetos e trabalharem em prol da humanidade. Lembro só, o nosso António Damásio!
Hoje, volvido que é quase meio século destes acontecimentos, olhamos para Portugal e o que observamos? Um país deprimido, quase à beira dum colapso a nível político, económico e social. Um país em que O SNS (Sistema Nacional de Saúde), o Ensino, A economia A Segurança social estão à beira da falência! Um país, onde se exige cada vez mais sacrifícios aos Portugueses, onde se retira o subsídio de Natal e férias aos funcionários públicos, coisa nunca antes vista, e sem que se veja o resultado dessa privação! Um país, onde cerca de 8000 casais estão ambos desempregados, a passar necessidades!
Estamos num país, onde o apelo da emigração, volta a repetir-se, com a mesma ou maior acutilância, que há meio século atrás! Agora, após aquela revolução que fez mudar Portugal, dizem, não é a voz da consciência que nos segreda ao ouvido, mas sim o desplante do nosso primeiro-ministro que vem para a televisão, despudoradamente, dizer aos portugueses: - ”A emigração é uma alternativa e uma possível solução para quem está desempregado!” À minha classe! Hoje, não são só os cidadãos de baixo nível literário que têm necessidade de emigrar, são sim, os quadros superiores que não encontram colocação no seu país!
Tal como a mãe que não pode alimentar os filhos e os dá para adoção, também os nossos políticos estão a escorraçar os Portugueses, do seu berço pátrio e mandá-los para países de acolhimento!
A ideia peregrina de que todo o emigrante volta à sua terra natal, serve apenas de barbitúrico, para as noites de insónia, daqueles que os expulsaram do país. Há o processo de aculturação que depois da fase inicial de sofrimento e perda, se converte numa etapa de esperança e integração.
Tenho, na família, cidadãos americanos, de pleno direito, para quem, Portugal é aquele minúsculo país, na cauda da Europa, que visitam esporadicamente e ouvem dos pais, que foi o local longínquo, onde eles nasceram.
O Zé da Rosa deixou, por terras do tio Sam, a sua prole e hoje, uma bisneta teenager é o elemento mais novo, do clã Almeida. Pelas suas veias, corre sangue genuinamente latino, português mais italiano!
25.05.2012