Texto de Fernando Martins
Vista geral do Santo André
No sábado da Semana Santa, à tarde, o turista foi até ao Jardim Oudinot. Não estava uma tarde primaveril, mas nem por isso o visitante perdeu o gosto pela caminhada descontraída, com a ria e canais da ria a envolverem o ambiente acolhedor que por ali se respira. Pouca gente e alguns pescadores, amadores, atraíam a atenção de quem passava, naquela marginal onde o Navio-museu Santo André está atracado. Era dia de sorte para uns tantos, com robalos a caminho da cozinha.
O turista, nacional, fixa o velho arrastão e resolve entrar para saborear e ficar a conhecer, quanto possível, a vida da tripulação a bordo dum navio de pesca do “fiel amigo”. Dirige-se à receção, onde foi recebido com simpatia. Pagou o bilhete de entrada de “sénior”, 1,25 euros, e pediu um desdobrável para ficar a conhecer pormenores da vida e da história deste navio bacalhoeiro que fez a sua primeira viagem em 1949. Os desdobráveis, por necessidade da aplicação de novo logotipo, ainda estão na tipografia. Não há visitas guiadas, exceto para grupos organizados, mas a funcionária recomendou ao visitante o melhor caminho a seguir, prestando atenção às legendas afixadas em cada setor do Santo André e aos vídeos em permanente ação, com entrevistas gravadas com antigos tripulantes. E assim foi.
Pormenor do navio
Não eram muitos os visitantes, é certo, mas deu para perceber que aquele Navio-museu é uma real mais-valia para o Jardim Oudinot, considerado o maior e mais valorizado espaço de lazer da Ria de Aveiro, cantada por poetas, escritores, pintores e outros artistas, conforme lhe foi garantido.
O turista foi passando e parando, lendo e vendo, imaginando, em simultâneo, o que foi a vida da pesca do bacalhau a bordo de uma navio, de arrasto lateral, dito clássico. E logo à entrada, no convés, presenciou o guincho, sistema a ser operado pelo guincheiro, com potência para suportar o aparelho de pesca e o peixe capturado. Na zona seguinte, lá estava, bem explicada, a pequena fábrica de transformação do pescado, com capacidade para processar 12 toneladas de bacalhau por dia.
Num vídeo, ali mesmo, José dos Santos Martinho, pescador, recorda os sofrimentos e os trabalhos durante meses na captura do bacalhau, debaixo das inclemências do tempo, com gelo colado às costas. E mais adiante, o turista fixou a sua atenção na lista da tripulação da primeira viagem, em 1949: Capitão, José Pereira Bela; Imediato, José da Silva Rocha; Piloto, João Augusto Ramos; Contramestre, Armando Lourenço Martins. Outros nomes se seguiram, passando pelos oficiais e demais pessoal das máquinas, pelo cozinheiro e ajudantes, pelos pescadores verdes e maduros, pelos escaladores e salgadores, entre outros profissionais indispensáveis à pesca e a outros serviços. O visitante olhou o porão de salga e dos congelados, a cozinha e as mesas de refeições preparadas para os baldões da ondulação, o painel de redes e os camarotes, e muitos outros pormenores que careciam de explicação mais pormenorizada.
Ponte de comando
O visitante passa à Casa Leme, de funcionamento mecânico hidráulico, que pode ser operado na ponte ou, em situações de recurso, pela roda do leme, instalada no tombadilho da popa. E a Casa da Máquina, «o coração do navio», com equipamentos necessários para a vida a bordo, tem na legenda uma anotação curiosa. Diz assim: «durante um turno os homens trabalham ininterruptamente, em condições difíceis, devido ao ruído e à exiguidade do espaço.»
O turista concentra-se agora no relato vivo, mesmo entusiasmado, do Capitão João Laruncho São Marcos, que evoca a vida a bordo de um navio que ficou famoso na pesca do bacalhau, nos mares da Terra Nova e na Gronelândia. E frisa que na pesca dormia vestido, que pijama era só em viagem. A sua obsessão era pescar o máximo, tendo recebido do Comandante Henrique Tenreiro o título de «campeão».
Num outro vídeo, o cozinheiro, António Serrão, descreve a alimentação no dia a dia de um bacalhoeiro. «As refeições não eram nada boas», mas a partir do 25 de abril tudo melhorou.
Ao pequeno-almoço, o trivial: pão fresco, todos os dias, café com leite ou só leite e uma ou outra sande; ao almoço, normalmente carne, sob as mais variadas formas, mas a tripulação «não ia à bola com carne guisada»; ao jantar, peixe de qualidade. Às quintas e domingos, doce; só mais tarde, fruta às refeições; e quanto a vinho, cinco litros, por semana, para cada pescador.
O turista ficou com a sensação de que uma vista com cicerone seria muito mais enriquecedora. Se o visitante estiver mais ou menos ligado às pescas e se tiver conhecimentos relacionados com a vida marítima, talvez perceba certas expressões e termos contidos nas legendas. Se tal não acontecer, muito do que está exposto passa-lhe ao lado. Contudo, o turista reconhece que houve a preocupação de ilustrar, com vídeos e legendas, o essencial do Navio-museu Santo André. E prometeu voltar porque, reconheceu, ficou muito por esclarecer.
Santo André
Convés
Notas Históricas
Este arrastão lateral (ou “clássico”) nasceu em 1948, na Holanda, por encomenda da Empresa de Pesca de Aveiro. Era um navio moderno, à época, com 71,40 metros de comprimento e porão para vinte mil quintais de peixe.
Depois das restrições às pescas, impostas pela UE, foi convertido em museu, sendo inaugurado a 23 de agosto de 2001, com o objetivo de mostrar aos presentes e vindouros como foram as pescarias num navio de arrasto, mas ainda para honrar a memória de todos os seus tripulantes durante meio século de atividade.
Durante os primeiros cinco anos de vida do Santo André, como Navio-museu, ultrapassou os 100 mil visitantes, proporcionando excelentes possibilidades para articular consumos culturais e turismo.
Recentemente passou por trabalhos de manutenção, reabrindo ao público no passado 1 de abril. Está agora à espera de uma legítima intensificação de visitas.
Horário das visitas
De abril a setembro
Terças a sextas-feiras, das 10 às 18 horas
Fins de semana e feriados, das 14 às 18 horas
Encerra às segundas-feiras