Reflexão de Georgino Rocha
A experiência que os discípulos vivem no primeiro dia da semana ao cair da tarde transforma radicalmente a sua vida. É única e converte-se em fator decisivo para todos os que estão chamados à fé cristã radicada na Páscoa de Jesus. É envolvente da pessoa toda, dos seus sentimentos mais básicos, das suas convicções mais elevadas. É o embrião da comunidade eclesial que, ao longo dos tempos, se vai organizar e configurar de modos vários.
O medo surge como o pólo aglutinador destes sentimentos. O grupo procura segurança por “medo dos judeus”. Fecha-se em casa e tranca as portas. A conversa certamente versaria os últimos acontecimentos referentes a Jesus Nazareno que haviam seguido como Rabi. E como tudo tinha findado na condenação à morte. Eliminado este, que lhes restaria? Talvez o pior. As buscas acabariam por descobrir onde se encontravam. Havia que acautelar-se. Procuram refúgio e proteção. Vivem da saudade que intensifica o medo. Deixam morrer as réstias de esperança que a memória de alguns ditos do Mestre teimavam, em vão, manter vivas. Também os ecos da visita das mulheres ao sepulcro vazio lhes suscitam estímulos de expectativa. Mas nada superava a ameaça pendente nem a angústia do isolamento.
Este cenário de crise mantém-se plenamente atual. E as situações abundam. A esperança morre à míngua de alimento. O sonho dos tempos idos desvanece-se e o realismo duro impõe-se. E não se vê saída razoável. Com a turbulência financeira e económica, provocada sobretudo pela falta de ética nos valores do mercado, agrava-se a situação do precariado, a irrelevância dos indignados, a angústia dos endividados iludidos. Paralisados pelo contexto socioeconómico, desdobram a fantasia em busca de algo para sobreviver, fazendo das “tripas coração”, multiplicando os esforços que gostariam de ver germinar. E o cortejo das sequelas alonga-se e agrava-se continuamente. O horizonte fechado corta a amplitude do sonho à medida do coração.
O medo cede o lugar à confiança e a tristeza à alegria. A turbulência inquieta é removida pela harmonia da paz. As portas são escancaradas e ficam abertos para sempre os caminhos da missão. O Ressuscitado posta-se no meio do grupo, mostra-lhe os sinais da sua crucifixão e dirige-lhe uma saudação afetuosa. Nada de recriminações pelo abandono e dispersão; nada de retaliações pela cobardia e negação. A memória do passado serve apenas para revigorar o presente e fazer pressentir os caminhos de futuro.
A alegria nasce do encontro com o Senhor e manifesta a adesão cordial à sua pessoa, à sua causa. A fé decorre desta adesão que está na base da comunidade e lhe dá sentido. Por isso, é reconhecida como a primeira forma da presença do Ressuscitado. “Ele está no meio de nós”, continuamos a afirmar com absoluta certeza na celebração da eucaristia. A comunidade cristã que vive esta relação profunda converte-se no “grande poder” que credencia o anúncio dos discípulos. O estilo de vida torna-se atraente e interpelante: alegria da união fraterna, partilha de bens sendo tudo posto em comum, equidade na repartição proporcional à necessidade de cada um.
O testemunho da comunidade de Jerusalém desperta grande simpatia e constitui uma clara afirmação da presença do Ressuscitado. Tem a força de um símbolo de justiça social e credencia a vocação a que está chamada toda a humanidade e, de modo especial, a Igreja de Jesus Cristo. A história regista realizações localizadas desta mensagem emblemática. Sirvam de exemplo as ordens mendicantes, designadamente as que se relacionam com São Francisco de Assis. E outras também como as Irmãzinhas dos Pobres, as Irmãs da Caridade. Ou grupos paroquiais que generosamente se dedicam aos empobrecidos. São “gotinhas de esperança a lembrar o dever de todos os que se reconhecem irmãos em humanidade e na comunhão da fé cristã. A união fraterna e a partilha de bens configuram o rosto pascal da Igreja em que brilha a alegria do Senhor Ressuscitado.