sábado, 10 de março de 2012

Ciência, Espiritualidade e Justiça

Texto de Anselmo Borges,
no DN

Leandro Sequeiros


Quando se fala da Igreja e do mundo, há, à partida, um equívoco fundamental: a Igreja e as pessoas na Igreja querem dialogar com o mundo, como se também elas não fossem mundo. Ora, há um só mundo, no qual vivemos todos. Os cristãos também vivem neste único mundo, mas a partir da perspectiva do Deus revelado em Jesus Cristo. E dialogam com os outros, dando e recebendo luz, na procura comum da verdade e do sentido.

O equívoco alarga-se e aprofunda-se com o perigo de os "quadros" da Igreja - padres, bispos, papa - poderem viver dentro de um mundo muito artificial: de modo geral, nascem dentro de famílias católicas tradicionais, são formados em ambientes fechados, seguem uma carreira sem riscos, não vivem intensamente o que constitui o grosso das preocupações das pessoas: emprego, filhos, casa...

Foi, pois, para mim gratificante a entrevista de Leandro Sequeiros, um jesuíta que acaba de jubilar-se, após quase 50 anos vividos no meio universitário, a José Manuel Vidal. Trabalhou em cinco Universidades, dedicado sobretudo à Paleontologia. Daí, a afirmação: "A vida não se pode explicar a não ser a partir do ponto de vista da evolução."

Nunca deixou de acreditar em Deus. "A minha fé em Deus não é um puro assentimento racional a um credo abstracto. Deus não é uma ideia. Tão-pouco uma divindade difusa no oceano dos confins do cosmos, como defende a New Age. O meu ponto de partida é a adesão e o seguimento de Jesus de Nazaré. A sua relação com o Pai é que me ensinou a saber o que é Deus. Há uma experiência interior que se vai consolidando, encarnando e com que se convive amorosamente. O grande problema de muitos cientistas é que mantêm uma imagem infantil de Deus e essa imagem não se dá bem com a maturação de uma visão científica do mundo. O conflito cognitivo não se resolve e quebra na parte mais débil: a experiência interior. Sem vida interior, não é possível crer. Mas essa vida interior não é intimista, ausente da realidade. A experiência de Deus deve alimentar-se da experiência humana, do contacto com a vida, com a realidade dura, com as mordeduras na própria carne da injustiça de um mundo desigual. O clamor das vítimas sobe até Deus e alimenta a nossa consciência profunda."

Portanto, "ciência, liberdade e justiça não são três mundos incomunicáveis". Pelo contrário, "não se pode ser cristão, sem ser desesperadamente humano". A ciência sem espiritualidade está vazia, dizia Einstein, mas "uma espiritualidade que não brota do contacto com a vida, com as injustiças de inumanidade, não é espiritualidade". Assim, "todo o ser humano deve viver do seu trabalho. Para mim, a Universidade era, entre outras coisas, um posto de trabalho", dependendo de um contrato.

O nível intelectual está em baixa na Igreja? Algo que é fundamental: "Para poder exercer como intelectual, é necessário ter muita liberdade de espírito e muita maturidade. Com arrogância ou com medo, não se pode exercer de intelectual. E correm maus tempos para a liberdade."

Muitos dos seus contactos são pessoas que consideram a Igreja uma instituição longínqua. "Mas creio que da parte da Igreja há um excesso de preocupação com este assunto. A vida é muito mais ampla do que as capelinhas." Como ter afeição por instituições religiosas fechadas em problemas que nada têm a ver com a vida? "A vida humana plena e libertadora é muitas vezes maior e primaveril do que a que se oferece a partir das instituições." Como declarou António Gala, "desejo que, quando morrer, na minha lápide escrevam: 'morreu vivo'".

Convida à autocrítica: "aprendemos a viver num mundo plural e secular?" A verdade é que "sedução evangélica" só se vê em grupos à margem das Igrejas e das religiões. Por isso, "vários movimentos propugnam a convocação de um Vaticano III, e outros, mais ambiciosos, sonham com uma grande Assembleia inter-religiosa, na qual as religiões debatam o seu lugar nesta sociedade complexa". De qualquer modo, "ninguém deve ter privilégios: nem as Igrejas nem os partidos nem os políticos nem as culturas. Numa sociedade igualitária, são os Direitos Humanos que devem ser a norma de conduta".

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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