Entrevista conduzida por Fernando Martins
Capitão Correia mostra a técnica utilizada
Manuel Correia, 67 anos, natural de Ílhavo, casado, dois
filhos e um neto, oficial da Marinha Mercante, é um apaixonado pelas artes,
sobretudo pelas artes plásticas. Autodidata, começou na Escola Primária a
manifestar um gosto especial pelo desenho e pintura, tendo participado no
Concurso Milo, da Nestlé, a nível
nacional, onde foi distinguido com uma Menção Honrosa. E desde essa altura,
nunca mais deixou de pintar, interessando-se por várias técnicas: pintura a
óleo e em acrílico, aguarela e desenho, mosaísmo e cerâmica. Esta última, a
arte do fogo, é, sem dúvida, a sua paixão. «Há uns três anos frequentei um
curso de cerâmica, curso esse que envolveu, na verdade, diversas tecnologias
necessárias, como a moldagem em barro, a pintura, as muflas e a cozedura, entre
outras», disse.
Manuel Correia, mais conhecido por Capitão Correia, gosta
imenso de música, interpretando vários instrumentos de corda, em especial
viola, cavaquinho e viola braguesa. A música popular portuguesa merece a sua
preferência, pela sua riqueza e variedade que denunciam a matriz das terras que
lhe deram expressão.
Pormenor do trabalho que está a ultimar para a casa paroquial
Questionado sobre a origem destas suas vocações, adianta que
o gosto pela música o herdou da família e as artes plásticas do pai, que
trabalhou na fábrica da Vista Alegre, na zincogravura, frisando que aquela
fábrica foi ao longo do tempo «um ateliê de artistas de renome».
Como oficial da Marinha Mercante, andou embarcado 39 anos,
inicialmente nos petroleiros e depois na pesca do bacalhau. E mesmo aí,
sobretudo em dias de temporal, nunca perdeu o hábito e o prazer de desenhar e
de pintar, mostrando-nos, com um certo brilho no olhar, aguarelas que não
exibiram o baloiçar do navio. «Às vezes, amarrava a minha cadeira à secretária,
para me fixar e poder trabalhar», garantiu-nos.
O artista explica obras exposta em sua casa
Fomos encontrá-lo um dia destes no seu ateliê. Estava
envolvido na conclusão de mais uma obra, um painel alusivo à cena do Lava-Pés
que a Bíblia nos apresenta como símbolo da humildade, da disponibilidade para
os outros, do serviço aos irmãos, numa das mais expressivas mensagens que Jesus
Cristo nos legou. Trata-se de uma obra destinada à Casa Paroquial da Gafanha da
Nazaré, com 3,30m por 1,40m, a que dedicou já umas 250 horas de labor
meticuloso e muito sensível. A técnica usada, o mosaísmo, é a mesma que
empregou nos seis painéis que integram o Museu Paroquial e que retratam a
parábola do Filho Pródigo, que todos os cristãos, e não só, bem conhecem.
O gosto pela técnica do mosaísmo não nasceu por acaso, mas
foi fruto da apreciação de registos das artes bizantina e romana. Estudou
quanto pôde estas artes e concluiu que também tinha de ir por aí. «As artes
bizantina e romana inspiram-se numa origem nobre e duradoura e ainda hoje se usam;
a nova igreja de Fátima, chamada da Santíssima Trindade, tem um painel enorme,
riquíssimo, onde o mosaísmo exibe toda a sua beleza», afirma o nosso
entrevistado.
Para trabalhos deste género, Manuel Correia começa por
elaborar um esboço, após refletir sobre o tema que se propõe desenvolver.
Depois de estabelecidas as dimensões, constrói o espaço onde a obra vai nascer.
Nesse espaço reproduz o esboço feito e parte para a seleção do material a
empregar, normalmente restos de cerâmica que recolhe nas fábricas. E começa a
criação com o preenchimento do painel, partindo os pedacinhos para preencher o
puzzle, conforme as cores e as tonalidades desejadas. Horas e horas, paciente e
meticulosamente, com a perfeição de quem gosta muito do que faz.
Não se julgue, contudo, que tudo sai à primeira; quantas
vezes a inspiração, a sensibilidade e o sentido crítico que sempre o perseguem
o levam a alterar um traço, uma tonalidade, um ou outro pormenor, «na convicção
de que uma obra de arte estará sempre incompleta».
Manuel Correia não cria estas obras para exposições, mas
tão-só por encomenda, dentro das suas limitações de tempo e das tarefas
próprias da sua família. E quanto a exposições, apenas participou numa que foi
apresentada no Centro Cultura da Gafanha da Nazaré, quando deixou o mar,
representativa de 25 anos de artes plásticas. Todavia, está aberto a participar
em mostras para as quais venha a ser convidado. Para além das artes referidas,
ainda consegue tempo para ilustrar livros, pelo prazer que lhe dá traduzir o
que lê em traços, silhuetas, formas, sombras e cores.
Homenagem a Picasso
Quem conhece o Capitão Correia, sabe que a sua sensibilidade
artística não se fica pelas artes plásticas e pela música. Aprecia um bom
convívio e envolve-se em atividades sociais. É membro da Confraria Gastronómica
do Bacalhau e dos Janeirantes, quer para promover o “fiel amigo”, quer para
animar nas sextas-feiras e sábados de janeiro as ruas da zona histórica e
gentes de Ílhavo, com os cantares tradicionais desta época. A receita obtida
reverte para a festa do Senhor Jesus dos Navegantes, de grandes tradições entre
os homens do mar e seus familiares e amigos.
Sobre o artista que mais admira, adianta Picasso. E na sala
onde nos recebeu, lá está, em grande plano, “Os meus serões”, pintura em
acrílico, em homenagem ao grande artista espanhol. E dos portugueses, para só
citar um, avança com Zé Penicheiro, que tão bem retratou a Ria de Aveiro e suas
gentes.