O Concilio Vaticano II foi, no século XX, o maior acontecimento da história da Igreja. Passados cinquenta anos, é importante voltar atrás, ver o que, então, se passou, avaliar os avanços alcançados e, ao mesmo tempo, tentar perceber porque muitas orientações conciliares estão por cumprir, e se nota um lamentável retrocesso em alguns campos pastorais importantes e concretos.
Soube-se que Pio XII já tinha pensado em convocar um concílio. Porém, os influentes da Cúria Romana, que depois se vieram a mostrar como travões nos trabalhos conciliares, levaram-no a desistir desse intento. As razões então aduzidas, traduzem-se nestes pontos: um concílio não é necessário, só viria trazer problemas à Igreja, muitas coisas controladas agora, se tornariam incontroláveis, pela dificuldade de se conseguir uma visão comum com bispos vindos de todo o mundo…
A experiência romana era, fundamentalmente, administrativa, e os problemas mais urgentes, de ordem pastoral, passavam-lhe ao lado. João XXIII surge inesperadamente. Não era o candidato desejado para o prestígio da Igreja. Logo foi considerado um papa de transição dada a sua idade, pelo facto de não ser romano e ter passado muitos anos da sua vida fora da Itália… Mal se pensava que todas as razões para um pontificado, curto e anódino, seriam determinantes para um pontificado marcante, na história da Igreja e nas relações desta com o mundo.
A Igreja recebera um safanão renovador com o Concílio de Trento, realizado em 1545, como resposta à Reforma protestante e a uma situação caótica em que havia mergulhado a cristandade. Foi, por isso, o concílio da Contra-Reforma e da procura de soluções para problemas graves da Igreja.
A partir dele se fortaleceu a Igreja e o poder do Papa, se determinaram caminhos para a formação do clero, se instituíram os Seminários, se procurou a libertação do poder feudal e político, se programou uma catequese sistemática a nível universal. A Igreja viveu, assim, quatro séculos sob a força renovadora de Trento.
Por outro lado, desde algumas dezenas de anos de antes do Vaticano II, haviam nascido e se desenvolveram os movimentos bíblico, litúrgico, ecuménico e o pensamento teológico contou com o trabalho de teólogos de grande mérito. Iniciativas novas e corajosas haviam surgido, como as primeiras encíclicas sobre a Doutrina Social da Igreja. Acordara-se para o lugar do Espírito Santo na comunidade eclesial.
A Acção Católica Operária, a Missão de Paris, a Missão de França, o movimento dos padres operários foram fermento forte para levedar a massa amorfa. A partir de Roma, o Movimento por um Mundo Melhor com o Padre Lombardi, teve acolhimento geral. Este surto inovador não se processou com favores e apoios. Pelo contrário, sempre foi visto, por alguns sectores da Cúria Romana, com uma suspeição que gerou dificuldades e provocou algumas intervenções, impeditivas de qualquer renovação.
As encíclicas de Pio XII sobre o Corpo Místico e a Liturgia deram, também, um contributo positivo para os trabalhos conciliares. O que faltava, ainda, em muitos responsáveis da Igreja e nas suas estruturas cimeiras, era a sensibilidade à nova realidade, quer da própria Igreja, quer da sociedade, e à caminhada imparável de um mundo novo, com novos problemas e novos e irreversíveis desafios à ação pastoral e apostólica. O novo Papa trazia consigo essa sensibilidade, fruto da sua experiência como núncio apostólico na Bulgária e em França, e, finalmente, como bispo na cosmopolita cidade e diocese de Veneza. Ao mesmo tempo, incarnava as preocupações por um novo rosto e modo de agir da Igreja, que lhe permitisse realizar a sua missão evangelizadora.
A proclamação de um concílio ecuménico parecia ser o caminho necessário e urgente. Menos de quatro meses depois da sua eleição, na Basílica de S. Paulo Fora de Muros, João XXIII dá a conhecer, sem aviso prévio, a sua decisão de convocar um concílio.
Conta ele mesmo, no seu diário pessoal, que, ao fazê-lo, se sentiu impelido por uma força interior irresistível, mas sem se aperceber dos problemas que tal facto podia significar. Numa noite de insónia na qual sentiu, em catadupa, todas as dificuldades originadas pelo seu gesto e decisão, o sono voltou quando ele disse, com o seu bom humor: “ Mas não é o Espírito Santo que governa a Igreja? Então, dorme João”. A Igreja precisava, assim, de um Papa simples, verdadeiro crente, corajoso e capaz de romper muros. E Deus deu-lhe esse Papa.