Tinha programado, à semelhança do que faço com outros livros que li ou a cujos lançamentos assisti, escrever um texto sobre a mais recente obra do Bispo Emérito de Aveiro, D. António Marcelino. Haveria muitas razões para o fazer, tanto mais que ouvi, com atenção, a apresentação do livro, no passado dia 10, bem elaborada pelo conhecido político e homem de fé, que é, também, um ilhavense ilustre, Bagão Félix. Mas optei por publicar, tão-somente, um texto que lembra uma cristã que diz mais do que tudo quanto eu pudesse escrever.
D. António Marcelino oferece-nos, com a sua reconhecida sensibilidade, uma curta história de vida de uma santa que tive o privilégio de conhecer e com quem conversei algumas vezes. O nosso Bispo Emérito não revela o seu nome, mas sei de quem se trata. Não erro, nem cometo qualquer inconfidência, se disser que se trata da Leninha de Sever, de seu nome completo Maria Madalena da Fonseca Magalhães, cuja vida o Padre Georgino Rocha sintetizou em texto publicado na revista Igreja Aveirense.
D. António diz, logo a abrir, que o povo da sua terra já a canonizou e até afirma, certamente com conhecimento pessoal, que dela conhece «milagres sem conta», que, todavia, «não servirão para uma canonização canónica, mas isso é o que menos interessa».
O Papa, seguindo o esquema de largos anos, tantos que nem sei quantos, vai beatificando e canonizando alguns católicos, abrindo-lhes espaços em lugares de destaque nos altares. Muitos deles nada nos dizem, mas oficialmente são esses, e só esses, os que farão parte, para memória futura, da hagiografia católica. Os outros, aqueles que conhecemos e que nos estão mais próximos, ocupam, contudo, um lugar mais convincente na nossa memória e nas nossas vidas. Pode ser que num futuro, porventura noutras gerações, as Igrejas Diocesanas possam apresentar-nos, como modelos a seguir, os santos que deixaram marcas indeléveis nas nossas paróquias.
Fernando Martins
O povo da sua terra já a canonizou. Eu conheço dela milagres sem conta, que não servirão para uma canonização canónica, mas isso é o que menos interessa. Quando João Paulo II fez um apelo aos bispos para que abrissem os olhos e o coração porque, nas suas dioceses, havia santos, foi logo em quem eu pensei.
Com dificuldades de mobilização à vista e, depois, com um chorrilho de doenças, foi sempre a mesma. O sorriso discreto e a preocupação pelos outros era o seu cartão de apresentação. De família de posses, o que tinha pesava-lhe sempre e procurava ver a quem ajudar. A sua vida tem marcas de generosidade silenciosa, em todo o lado. Gratuita em tudo, sentia-se sempre altamente recompensada pelo bem que fazia.
Sofreu de muitas maneiras. Nunca se lhe ouviu um queixume. Sempre uma palavra de compreensão, de desculpa a quem a fazia sofrer, de passar à frente com quem se sentia sempre bem. Procurou-me algumas vezes. Nunca para se queixar, sempre para ver como fazer melhor.
Não era beata, nem rata de sacristia, mas cristã consciente. O templo era o espaço do abastecimento da sua fé e da sua entrega ao apostolado e aos outros. Morreu aí mesmo, na igreja paroquial, quando ainda, já bem doente, tinha ainda alguma coisa para fazer. Nenhum lugar melhor para fazer a sua última doação. Ali ao pé do sacrário.»