”Quando se fez ao largo a nave escura,
Na praia, essa
mulher ficou chorando
No doloroso
aspeto figurando
A lacrimosa estátua da amargura!”
Gonçalves Crespo
192 milhões de migrantes legais em todo o mundo
Maria Donzília Almeida
O poeta, em
epígrafe, retrata bem, o drama da separação, quer seja na busca de novos mundos
ao mundo, época dos Descobrimentos, quer seja na ânsia de procurar uma vida
melhor para si e para a família.
As migrações são hoje um fenómeno de dimensão global, com
implicações cada vez mais importantes nos domínios político, económico, social,
cultural e religioso. Factores como a distribuição desigual da riqueza, guerra,
desemprego, fome e degradação ambiental forçam, todos os dias, milhares de
pessoas a abandonar o seu país de origem, em busca de um futuro melhor. Este
fenómeno não é novo mas tem crescido drasticamente: existem hoje 192 milhões de
migrantes legais em todo o mundo, dos quais cinco milhões são portugueses.
Reportando-nos a
estes, os motivos que os levaram a partir, foram as conquistas, as descobertas
e a expansão marítima. Portugal tem sido desde o século XV um país de
emigrantes, facto que acabou por condicionar toda a sua história. Nos séculos
XV e XVI, a emigração dirigiu-se, sobretudo, para as costas do norte de África,
Marrocos, ilhas atlânticas, Açores, Madeira, São Tomé, Cabo Verde, Canárias e
depois da descoberta do caminho marítimo para a Índia-1498, espalha-se pelo
Oriente, mantendo-se muito ativa até finais do século XVIII.
Em meados do
século XVI, aumenta a emigração para o Brasil, o qual acaba por se tornar no
século XVII, o principal destino dos portugueses, o que se manterá sem grandes
oscilações até finais dos anos 50, do século XX. O surto migratório para
o Brasil e Argentina está, ainda bem patente no meu imaginário infantil. Os
homens partiam à aventura, na esperança de encontrar meios de subsistência,
para mais tarde chamarem as mulheres e filhos, para a sua companhia. As formas
de comunicação eram muito fracas na altura, a carta era o único meio ao alcance
dos emigrantes. A distância, que esmorece os sentimentos mais vivos, a atracão
do desconhecido, um clima quente e sedutor, tornam o homem permeável às mais
variadas tentações. A consequência disto, foi o abandono a que ficaram votadas
muitas mulheres, as únicas a cuidar e educar os filhos órfãos, na terra natal.
O Brasil havia acenado a estes emigrantes, como o paraíso da árvore das patacas.
Em finais do século XIX, os portugueses
começam a procurar ativamente novos destinos alternativos ao Brasil, quer na
Europa, quer no outro lado do Atlântico. Ao longo do século XX, fora da Europa,
espalham-se pelos EUA, Argentina, Venezuela, Canadá, Austrália, etc. O fluxo
emigratório para África aumenta, em especial para Angola, Moçambique e outras
regiões da África Austral como a África do Sul, Zimbabwe ou o Congo.
Para os
Estados Unidos, houve um grande êxodo, em meados do século XX, tendo eu vivido
na pele, esse drama da separação do pai, que partiu para terras do tio Sam. A
economia portuguesa não oferecia condições de vida, condignas, aos seus cidadãos:
vivia-se numa sociedade rural, com poucas indústrias, logo escassos postos de
trabalho. Qualquer pessoa tem ambições de progredir na vida, de dar uma boa
educação aos seus filhos, enfim, de ter condições de conforto e desafogo
económico. Toda esta fatia da população portuguesa, juntamente com todas as
outras raças, que procuraram neste país, a terra prometida, foi engrossar o
fenómeno da multiculturalidade, tão bem traduzida na expressão americana,
“melting pot”. Quando a “temperatura” subia um bocadinho, tornava-se, verdadeiramente,
explosiva!
Está, ainda,
viva na minha memória de menina, a vinda dos Luso-Americanos, nos meados do
século XX, com as suas sumptuosas “banheiras”, carros americanos que quase
enchiam as ruas estreitas da aldeia. Havia uma necessidade, compreensível, de show-off, pois era evidente a
demonstração do sucesso obtido por terras, onde nem a língua era a mesma. Aliás,
esta necessidade de demonstrar desafogo económico, é característica dum
novo-riquismo que emerge em qualquer lugar e grupo social. Hoje, há mais
sobriedade nesse modo de ser emigrante. Exibicionismo..........esse existe numa
classe, donde deveria emanar o exemplo de sobriedade para o povo! Refiro-me à
classe política!
Este fenómeno,
da multiculturalidade, acontece em qualquer país, onde há movimentos
migratórios e reflete-se, muito concretamente, no meu ambiente de trabalho, a
escola. Já me passaram pelas mãos, alunos de várias etnias, sendo que aqui, na
Gafanha, predominam os alunos oriundos dos países de leste. Recordo o Átila, da
Hungria, rapaz simpático e atencioso, que me ensinava a língua dele em troca de
nada! Nem sequer era meu aluno, encontrando-nos, apenas esporadicamente, na
biblioteca. Este ano, logo na 1ª fila, lá está o Vladislav, a quem o nick name, Vlad, assenta como uma luva.
Miúdo vivaço, simpático, cavalheiro! _”Essa .....essa.....essa jóia que a
“sora” traz......aí......é muito bonita!” Sorri.....pois não é muito comum uma
criatura de palmo e meio, lançar este “piropo” à professora! Quanto mais, um
estrangeiro! Outro aluno que me ficou gravado, pela sua simpatia e tez morena,
foi o Aslam Sadrudine Jamal, de origem persa, ali na Cidade Invicta!
Uma das coisas
de que me orgulho, apesar de todos os defeitos que nós temos, é que somos um
povo amistoso, sem quaisquer laivos de racismo ou xenofobia. Os nossos alunos,
sempre acolheram muito bem os estrangeiros que cá nos chegam. As crianças têm
uma grande facilidade de aculturação, e aprendizagem da língua estrangeira que
é o português, o que torna o processo de integração e socialização, no país de
acolhimento, muito fácil e breve. Muitas vezes me surpreendo, ao conversar com
estes alunos estrangeiros, com a rapidez com que eles aprendem o nosso idioma.
Os pais ainda mantêm o sotaque por algum tempo e os filhos falam como
papagaios! Para tudo, há uma idade própria!
A grande
debandada do país, ocorre, todavia, a partir de finais dos anos 50, e dirige-se
agora para a Europa: França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Suíça,
etc. A França foi um destino muito procurado, até clandestinamente! Muitos
homens passaram a fronteira, “a salto”, na ânsia de tentar a sorte. Em menos de
dez anos, imigraram para a França, por exemplo, mais de um milhão de
portugueses. Daí, a proliferação de “maisons” que foram construídas e as
vacanças que os emigrantes vinham passar à terra natal.
A emigração
portuguesa, apesar de todos os entraves, continuou até aos nossos dias, embora
numa menor dimensão. Assume, agora, um carácter temporário, e está cada vez
mais ligada a investimentos económicos, realização de estudos, atividades
profissionais. Jovens quadros técnicos e científicos optam cada vez mais por
fazer carreira no estrangeiro, devido às melhores oportunidades e salários. Substituíram
a mala de cartão por uma mala com rodinhas; já não passam a fronteira a pé, mas
sim de avião; em vez de escreverem longas cartas a falar da nova vida e das
saudades da família ou de fazerem curtos telefonemas de tempos a tempos,
comunicam através das redes sociais, dos programas de conversação instantânea
ou por telemóvel. Aqui, a aculturação faz-se num ápice! Segredo? O domínio
perfeito do meio de comunicação: a língua inglesa!
Mª Donzília Almeida
18.12.2011