Anselmo Borges
No quadro da matança de Oslo e dos motins em Londres e outras cidades britânicas e das declarações, entre outros, de Angela Merkel e Cameron, aí está um tema incendiário, mas que precisa urgentemente de reflexão.
Que se entende por cultura? Esta é a definição clássica de Edward Barnett Tylor: "A cultura ou civilização, em sentido etnográfico amplo, é todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes e quaisquer outros hábitos e capacidades adquiridos pelo Homem enquanto membro de uma sociedade."
Evidentemente, como sublinha Gabriel Amengual, poderia ter acrescentado, com a mesma razão, utensílios, ferramentas, etc. A cultura tem a ver com o que o Homem aprende, cria, inventa, para lá da natureza e adquire como membro de uma sociedade. Por isso, diz M. Harris que ela é o "corpo de tradições socialmente adquiridas", é o "estilo de vida total, socialmente adquirido, de um grupo de pessoas, que inclui os modos padronizados e recorrentes de pensar, sentir e agir".
Dentro desta definição, torna-se claro que é problemática aquela concepção elitista de cultura de que, por exemplo, os média, pelo menos inconscientemente, se fazem eco, quando se referem à cultura no sentido de actividades culturais consideradas superiores, como conferências, exposições artísticas, peças de teatro, filmes, etc. Todas as sociedades e grupos humanos têm uma cultura e todos os seres humanos são produto e produtores de cultura e são constituídos culturalmente.
Chegados aqui, é necessário reflectir sobre a cultura no sentido subjectivo e objectivo do termo. O primeiro, já dito no étimo - colere, cultivar -, tem a ver com o cultivo da terra (agricultura) e, depois, das capacidades humanas e, consequentemente, o seu aperfeiçoamento, chegando-se assim à cultura em sentido objectivo, que significa, como diz A. Ariño, "os resultados do processo de cultivo do ser humano, isto é, o estado do espírito cultivado pela instrução e o refinamento e a soma dos saberes acumulados pela Humanidade ao longo da sua História; em síntese, as criações e realizações do ser humano e das sociedades humanas."
No contexto do Iluminismo e da sua ideia de perfectibilidade humana, num horizonte teleológico, o sentido da História é o do aperfeiçoamento da razão e da liberdade, no quadro de uma cultura universal enquanto norma para a Humanidade.
Contra esta concepção da cultura no singular, Johann Gottlieb Herder foi dos primeiros a reivindicar com força a variedade das culturas, segundo a diversidade dos povos, e esta pluralidade não só não constitui inconveniente como, pelo contrário, é fonte de enriquecimento mútuo.
É aqui que surge a questão do relativismo cultural, que, segundo Gabriel Amengual, tem um contributo positivo, pois abala os fundamentos da perspectiva etnocêntrica e é um instrumento eficaz contra as pretensões de superioridade racial. Mas "converte-se em problemático, quando estabelece a incomensurabilidade, imponderabilidade e intraduzibilidade entre universos culturais e deriva para o relativismo moral ou cognitivo, que estabelece o carácter exclusivamente local dos valores éticos, estéticos ou dos critérios científicos".
Não temos o direito e o dever de criticar a nossa cultura, quando estão em causa os direitos fundamentais humanos? Então, não se impõe o mesmo direito e dever em relação às outras culturas?
Neste debate, estou com Monique Canto-Sperber, directora da Escola Normal Superior de Paris, quando diz que não pensa "que haja normas universais abstractas que possam aplicar-se a todas as culturas, mas antes normas universais concretas, fundadas em valores comuns e partilhados que são os mesmos para todos".
Defende, pois, o que chama "universalidade em contexto": bate-se pela "ideia de um núcleo duro de valores universais" - defesa dos direitos fundamentais da pessoa - "que se exprimem diferentemente segundo as culturas".
No DN