DIA DOS FIÉIS DEFUNTOS
Georgino Rocha
Vivo este dia com um misto de saudade e de confiança. Saudade que me faz viajar no tempo e mergulhar no pós-morte; entro assim em relação com os que cessaram funções na terra e as iniciaram, de outro modo, na eternidade, os queridos defuntos. É uma relação que, normalmente, recorda a sua bondade, o contributo que deram para tornar mais humana a vida em família, na sociedade na comunidade cristã. Se lembro algum episódio menos edificante é para “tirar” partido do humor que, nele, sempre se esconde e pode ajudar ver a realidade com olhos novos. E surge, espontaneamente, a gratidão que transformo em oração ao Senhor da Vida e a confiança que me anima a prosseguir e valorizar a herança recebida. Faço a visita ao cemitério, paro junto da campa dos meus pais e irmãos, contemplo o seu rosto esmaltado — memória no tempo sempre actuante que vai resistindo à intempérie —, medito na força do silêncio que me segreda: aprecia e aproveita a tua vez de ajudar o mundo a ser melhor.
Esta herança está recheada de valores de sempre, embora se revistam de expressões adequadas aos tempos em que as pessoas vivem, geram cultura, celebram o culto, constroem civilização. E, para mim, o valor mais sublime é atitude de fé que eleva o ser humano a realidades novas e alarga o seu olhar a horizontes infindos. Tive a felicidade de a receber de meus pais no seio de uma família numerosa e humilde, de a ir educando numa paróquia e em instituições de ensino e aprendizagem com colegas e mestres, e de estruturar a sua sistematização, sempre precária, em novos cursos de formação contínua.
Esta convicção alicerça-se na fé em Jesus Cristo que, tendo estado morto, ressuscitou e agora vive para sempre. O modo como se deu a ressurreição, ultrapassa-me e não me preocupa. Creio confiadamente! Ele é o fiador por excelência da fé cristã, o garante da nossa fiança comum: o futuro está aberto e aguarda-nos com a sua novidade inebriante. A vida futura está em germinação no presente. A morte tem apenas a penúltima palavra: a de ser sinal definitivo da nossa finitude que aspira a muito mais. A última está em Cristo e ilumina a densidade opaca da passagem para a plenitude desejada.
Vivo o Dia dos Fiéis Defuntos como uma oportunidade especial de testemunhar a realidade da morte que é visível (quando tantos pretendem ocultá-la) e o “direito” dos mortos a estarem entre nós (quando tantos se revelam intolerantes e tentam apagar a sua memória), a serem credores da relação gratuita e agradecida que lhes devemos (quando tantos vivem à sua custa comercializando o funeral e seus enfeites, a urna e seus adornos, a campa e suas lápides, a comemoração da sua memória e seus arranjos vistosos).
Especialmente, por isso, este dia é, para mim, um dia grande em que aflora o melhor da nossa comum humanidade.
NOTA: O Dia dos Fiéis Defuntos, 2 de Novembro, é antecipado, por razões compreensíveis, para o dia anterior, Dia de Todos os Santos. Razão que justifica a publicação deste texto, no dia de hoje.
FM
NOTA: O Dia dos Fiéis Defuntos, 2 de Novembro, é antecipado, por razões compreensíveis, para o dia anterior, Dia de Todos os Santos. Razão que justifica a publicação deste texto, no dia de hoje.
FM