AS REVOLUÇÕES POSSÍVEIS
Anselmo Borges
Na perplexidade em que nos encontramos, dentro do abalo de um mundo incerto e perigoso, aí está um tema que obriga a pensar. Foi disso que tratou o Simpósio deste ano em Santa Maria da Feira, organizado pela autarquia local, no sábado passado. Foram exactamente quatro horas de debate, no dia em que nas ruas de 951 cidades de mais de 80 países milhares manifestavam a sua indignação.
O que aí fica são apenas impressões, perplexidades, interrogações.
Quem primeiro falou foi Mona Prince, professora de Literatura Inglesa na Suez Canal University. Uma muçulmana liberal - foi bom podermos brindar com um copo de vinho - que participou nas manifestações da Praça Tahrir, obrigando à queda de Mubarak. E contou, exuberante, como tudo se passou em crescendo. Primeiros pedidos: liberdade, pão e trabalho. Depois: não queremos este regime. E os egípcios uniram-se e partilhavam e cristãos e muçulmanos rezavam juntos e todos cantavam a uma só voz e "isso mexe com o corpo". A vida era na Praça Tahrir. A experiência maior: o poder de estar juntos.
E agora? Depois dos acontecimentos trágicos do passado domingo, dia 9, as pessoas estão divididas, e algumas desiludidas. Afinal, os negócios não têm nacionalidade nem religião. O exército quer manter-se no poder? Vai impor-se um Estado islâmico? Mona Prince manifestou a convicção de que nunca os fundamentalistas tomarão o poder, "teremos um Egipto como Estado laico". Oxalá!
Depois, falou Vasco Lourenço. Quem é o revolucionário? "O que faz o máximo do possível". O programa de Abril foi em grande parte cumprido. A democracia está aí, pôs-se fim à guerra colonial. O desenvolvimento foi mais difícil, mas ninguém pode esquecer as transformações económicas, culturais, sociais, operadas. "A mulher foi quem mais ganhou."
Mas desde há alguns anos que vimos advertindo para a necessidade de sociedades mais justas: "Ou arrepiamos caminho ou a revolução dos escravos chegará." E aí está a revolução árabe. De qualquer modo - e referia-se também a Portugal -, não podemos continuar a assistir aos "roubos do capital". A revolta dos escravos também cá vai chegar. O problema é que " se sabe como se começa, ninguém sabe como se acaba". Aqui, Carlos Magno, o moderador, lembrou o princípio da incerteza e manifestou a esperança fundada de que se não chegue a uma conflitualidade incontrolável.
Finalmente, a palavra era do filósofo italiano António Negri, antigo intelectual da esquerda radical, um pensador fundamental no debate filosófico-político contemporâneo. Foi um discurso polémico, denso e ágil, de que só se pode dar pinceladas. Falou de coisas ainda em curso, perguntando se a crise não revela os limites do sistema em que vivemos, uma fractura na democracia como a temos vivido. Fundamentalmente, o que está em causa é a incapacidade de o sistema económico se adaptar às novas figuras da produção social.
A transformação essencial é que o trabalho é menos produção material do que intelectual: os valores da riqueza vêm da capacidade da produção cognitiva. A produção não está nas fábricas, mas na vida toda. A economia neoliberal não sabe responder à "biopolítica": a sociedade produtiva avança mais do que o Estado nacional ou a finança.
Aí estão os endividados, todos endividados. Mas o trabalho é comum. Os Estados nacionais são impotentes, porque o mundo se globalizou. As constituições que temos estão ultrapassadas, porque vêm de um sistema antigo. Hoje, trabalha-se comunitariamente, todos participam na produção. Urgência maior: encontrar o fundamento comum - o comum entre os homens, para lá do privado. As constituições são um contrato. Hoje, porém, quem estabelece o contrato? A finança mundial? Mas ela faz o contrato com quem?
A nova constituição não pode estar assente no medo, como pretendeu Hobbes, mas nesse fundamento comum, sabendo, com Espinosa, que a liberdade em conjunto se multiplica, exactamente como a capacidade vital.
Agora, a opressão é em rede, mas a informática também traz uma potência global de transformação.
No DN
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