domingo, 4 de setembro de 2011

Uma reflexão para este domingo




O PERDÃO DAS OFENSAS, 
ATITUDE SUBLIME
Georgino Rocha

O agir humano é o nosso espelho mais polido, reflectindo capacidades e limitações. Sobretudo na relação com os outros, fora da qual perde vigor e acaba por se esvaziar a humanidade que nos qualifica. Surge então a desconsideração do outro como pessoa, em gestos e palavras, que traduzem sentimentos negativos, de distanciamento, de crítica amarga e ostensiva, de ofensa infundada.
Como refazer a relação de modo integral? Só a resposta positiva, ainda que penosa, nos repõe a dignidade ferida, supera o fosso aberto, vence as distâncias criadas. Outras atitudes mantêm e podem agudizar o sentimento negativo e ser tolerante passivo, agravar a emoção sentida e alimentada, pagar na mesma “moeda”, retaliar com vingança, excluir o indesejado do círculo de relações, deixar “cair os braços” e esperar que uma crosta se imponha e gere a indiferença. Ou pura e simplesmente, recorrer ao tribunal civil que, apesar da sua nobre função, não resolve questões de consciência.

A tolerância activa é uma atitude de profundo respeito que revela lucidez e coragem, ponderação e sentido de oportunidade. Não é sinónimo de imposição incriminatória, nem de reacção moralista e uniformizadora. Pelo contrário, traduz o reconhecimento da dignidade ferida, da convivência desfeita, da relação cortada naqueles que estão chamados, por natureza e pela bênção de Deus, à harmonia das diferenças legítimas no todo da humanidade. Quando degenera, dá origem ao tolerantismo que, indiferente ao bem comum, deixa andar as “coisas” ao sabor da corrente, tenha ela o colorido que tiver.



A convivência na sociedade e, ainda mais, na comunidade cristã (familiar, paroquial, diocesana) conta sempre com as atitudes mais nobres e sadias das pessoas. Os caminhos, antes de chegar às autoridades, passam pela aproximação e confiança, pelo relacionamento e diálogo, pelo reconhecimento e aceitação incondicional do outro. Neles se encontra Deus a dar suporte ao esforço e a alimentar a persistência e ousadia. Embora profundamente unidas, a acção é um fruto da pessoa e, como tal, diferente. A dignidade diz respeito à pessoa; a “maldade” ofensiva atinge a acção. Considera-se e ama-se aquela e, por isso mesmo, detesta-se esta e oferece-se ajuda para ser superada ou, mesmo, sanada a “lesão” provocada na consciência.

O perdão surge como a atitude mais nobre no processo histórico de refazer os laços quebrados por ofensas humanas. Antes da pena de Talião – olho por olho e dente por dente – a medida da vingança era desproporcional à ofensa. Depois, ganha raízes a solidariedade que une os irmãos entre si e entre os judeus, membros da mesma raça. Finalmente, a mensagem cristã apresenta o exemplo admirável de Jesus de Nazaré e do movimento por ele iniciado – a Igreja.
O perdão de Jesus é para todos, até para os seus inimigos e algozes. A súplica do Calvário fica como testemunho da sua vida e lema emblemático do comportamento dos seus discípulos. Estêvão, Paulo de Tarso, e tantos outros, sem esquecer João Paulo II que vai à prisão em gesto de misericórdia, constituem exemplos luminares desta atitude sanante que muitos realizam na maior simplicidade e discrição.

A consciência humana foi evoluindo e atingiu uma fase de humanização jurídica no que diz respeito às pessoas que praticam actos ilícitos. A justiça tem leis que a legitimam. E ainda bem! Oxalá a sua prática as honre! Não se pode ignorar o crime em todas as suas formas, a desfaçatez e a arrogância em todos os seus modos que espezinham a dignidade dos outros e o valor dos seus bens, a corrupção, a fraude e tantas outras “ofensas” à dignidade humana, ao bem comum da sociedade e ao Estado de direito.

A atitude cristã acolhe e promove a justiça, como passo fundamental do processo de reconciliação. No entanto, o horizonte humano permanece aberto a novas dimensões, das quais se destaca o perdão incondicional proporcionado por quem é ofendido ao seu ofensor.



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