O PERDÃO DAS OFENSAS,
ATITUDE SUBLIME
Georgino Rocha
O
agir humano é o nosso espelho mais polido, reflectindo capacidades e
limitações. Sobretudo na relação com os outros, fora da qual perde vigor e
acaba por se esvaziar a humanidade que nos qualifica. Surge então a
desconsideração do outro como pessoa, em gestos e palavras, que traduzem
sentimentos negativos, de distanciamento, de crítica amarga e ostensiva, de
ofensa infundada.
Como
refazer a relação de modo integral? Só a resposta positiva, ainda que penosa,
nos repõe a dignidade ferida, supera o fosso aberto, vence as distâncias
criadas. Outras atitudes mantêm e podem agudizar o sentimento negativo e ser
tolerante passivo, agravar a emoção sentida e alimentada, pagar na mesma
“moeda”, retaliar com vingança, excluir o indesejado do círculo de relações,
deixar “cair os braços” e esperar que uma crosta se imponha e gere a
indiferença. Ou pura e simplesmente, recorrer ao tribunal civil que, apesar da
sua nobre função, não resolve questões de consciência.
A
tolerância activa é uma atitude de profundo respeito que revela lucidez e
coragem, ponderação e sentido de oportunidade. Não é sinónimo de imposição
incriminatória, nem de reacção moralista e uniformizadora. Pelo contrário,
traduz o reconhecimento da dignidade ferida, da convivência desfeita, da
relação cortada naqueles que estão chamados, por natureza e pela bênção de
Deus, à harmonia das diferenças legítimas no todo da humanidade. Quando
degenera, dá origem ao tolerantismo que, indiferente ao bem comum, deixa andar
as “coisas” ao sabor da corrente, tenha ela o colorido que tiver.
A
convivência na sociedade e, ainda mais, na comunidade cristã (familiar,
paroquial, diocesana) conta sempre com as atitudes mais nobres e sadias das
pessoas. Os caminhos, antes de chegar às autoridades, passam pela aproximação e
confiança, pelo relacionamento e diálogo, pelo reconhecimento e aceitação
incondicional do outro. Neles se encontra Deus a dar suporte ao esforço e a
alimentar a persistência e ousadia. Embora profundamente unidas, a acção é um
fruto da pessoa e, como tal, diferente. A dignidade diz respeito à pessoa; a
“maldade” ofensiva atinge a acção. Considera-se e ama-se aquela e, por isso
mesmo, detesta-se esta e oferece-se ajuda para ser superada ou, mesmo, sanada a
“lesão” provocada na consciência.
O
perdão surge como a atitude mais nobre no processo histórico de refazer os
laços quebrados por ofensas humanas. Antes da pena de Talião – olho por olho e
dente por dente – a medida da vingança era desproporcional à ofensa. Depois,
ganha raízes a solidariedade que une os irmãos entre si e entre os judeus,
membros da mesma raça. Finalmente, a mensagem cristã apresenta o exemplo
admirável de Jesus de Nazaré e do movimento por ele iniciado – a Igreja.
O
perdão de Jesus é para todos, até para os seus inimigos e algozes. A súplica do
Calvário fica como testemunho da sua vida e lema emblemático do comportamento
dos seus discípulos. Estêvão, Paulo de Tarso, e tantos outros, sem esquecer
João Paulo II que vai à prisão em gesto de misericórdia, constituem exemplos
luminares desta atitude sanante que muitos realizam na maior simplicidade e
discrição.
A
consciência humana foi evoluindo e atingiu uma fase de humanização jurídica no
que diz respeito às pessoas que praticam actos ilícitos. A justiça tem leis que
a legitimam. E ainda bem! Oxalá a sua prática as honre! Não se pode ignorar o
crime em todas as suas formas, a desfaçatez e a arrogância em todos os seus
modos que espezinham a dignidade dos outros e o valor dos seus bens, a corrupção,
a fraude e tantas outras “ofensas” à dignidade humana, ao bem comum da
sociedade e ao Estado de direito.
A
atitude cristã acolhe e promove a justiça, como passo fundamental do processo
de reconciliação. No entanto, o horizonte humano permanece aberto a novas
dimensões, das quais se destaca o perdão incondicional proporcionado por quem é
ofendido ao seu ofensor.