Texto elaborado para a visita, de bicicleta,
ao Santuário da Senhora de Vagos,
em 5 de Outubro, com organização da ADIG
Das Lendas
Diz o padre Domingos Rebelo dos Santos, antigo prior da Gafanha da Nazaré, no seu livro “O Culto a Maria na Diocese de Aveiro”, que a história de Nossa Senhora de Vagos está ligada ao mar. «Segundo a tradição, a imagem primitiva (dos finais do século XII ou princípios do século XIII) veio de França. Um navio deu à costa onde se despedaçara, e o capitão, na operação de salvamento, conseguiu trazer para terra uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, que o acompanhava. Escondendo o seu tesouro, foi junto da população próxima, Esgueira, pedir ao pároco que lhe desse um lugar condigno na sua igreja.»
Depois, acrescenta a lenda, perdeu-se o rasto da imagem… acabando por não ir para Esgueira.
Da lenda, ainda se sabe que a D. Sancho I, estando em Viseu, «lhe aparecera a Senhora em sonhos e lhe ordenara que fosse a determinado lugar onde acharia a sua imagem, e que no mesmo lugar lhe edificasse uma capela…
«O rei terá vindo sem guia e, com toda a facilidade, terá encontrado a imagem como a vira em sonho. Mandou construir a capela e juntamente uma torre para defesa dos que assistissem à Senhora.»
Da História
Certo é que, «antes de 18 de Agosto de 1200 a capela estava construída, pois nessa data o rei D. Sancho I doou-a ao Mosteiro de S. Salvador de Grijó, dos Cónegos Regulares de Santo Agostinho, conforme documento coevo».
A construção do Santuário data do século XVI, mas o aspecto global, actual, vem de remodelações efectuadas ao longo do século XIX e XX. A torre sineira foi construída em 1960. A imagem de Santa Maria de Vagos, de calcário, é do século XIV.
Outras obras continuaram e hão-de continuar, porque as peregrinações se mantêm vivas, englobando sempre grande número de fiéis, um pouco de todo o lado.
A Senhora de Vagos, como é hábito evocar a Mãe de Deus no seu santuário, tem sido conhecida por outras designações, através dos séculos e conforme a evolução doutrinária e litúrgica.
Lembra o padre Manuel António Carvalhais, no seu livro “Santa Maria de Vagos”, que «todos os documentos escritos, desde Abril de 1190 a 22 de Fevereiro de 1505, registaram invariavelmente que nesta ermida ou igreja é venerada SANTA MARIA DE Vagos». Contudo, ao longo dos tempos, tornou-se conhecida por Nossa Senhora de Vagos, Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora do Bodo e, até, Nossa Senhora das Cerejas. Estas duas últimas designações prendem-se, naturalmente, com razões especiais, a saber:
Nossa Senhora do Bodo, numa clara alusão ao «antiquíssimo costume sustentado pelos peregrinos de Cantanhede de contemplar cada pobre que participa na festa, com quase meio quilo de carne de vaca cozida, pão e meio quartilho de vinho», como refere o padre Carvalhais.
Nossa Senhora das Cerejas, por ser esse o fruto mais apetecido e mais procurado na festa, que se celebra na segunda-feira a seguir ao domingo de Pentecostes. Trata-se, por isso, de uma festa móvel, dependente da celebração da Páscoa (Domingo a seguir à Lua Cheia, depois de 21 de Março — Equinócio da Primavera —, o que dá um domingo entre 22 de Março e 25 de Abril).
Das Peregrinações
Tanto quanto se sabe, os peregrinos de todos os dias vêm, sobretudo, das freguesias do concelho de Vagos. E depois dos concelhos vizinhos, nomeadamente de Ílhavo, Mira e Cantanhede.
Os de Ílhavo, em especial das Gafanhas, pela ligação ancestral a Vagos e à Senhora de Vagos. Curiosamente, ou talvez não, as Gafanhas assumiram Nossa Senhora como sua padroeira, como é sobejamente sabido, com diversas denominações: Nazaré, Encarnação, Carmo e Boa Hora. O padre Rezende diz, na “Monografia da Gafanha”, que «o povo da Gafanha, desde épocas remotas, vai em novena à Senhora de Vagos», como a outros santuários, aliás. E os menos jovens ainda recordam essas novenas e a atracção que a peregrinação anual despertava. A serenidade do lugar, amplo e convidativo, com a bênção da Mãe de Deus ali instituída há séculos, será motivo para tal predilecção dos devotos.
Menção especial merece o povo de Cantanhede. O padre Carvalhais sublinha que, «actualmente, na segunda-feira imediata à Solenidade do Espírito Santo, cerca de duas centenas de pessoas mantêm ainda a tradição mais funda de percorrer a pé os trinta quilómetros que separam Cantanhede de Vagos, por um itinerário distinto do dos seus antepassados». Outros se vão juntando pelo caminho ou se dirigem para o santuário da Senhora de Vagos. Todos depois participam na festa litúrgica. E adianta o autor do livro “Santa Maria de Vagos”: «À tarde, após a recitação do Terço no recinto do Santuário, o pároco procede à bênção do Bodo que consiste exclusivamente na entrega de pães de trigo, confeccionados em casa dos ofertantes ou em padarias locais, repartidos por cada romeiro cantanhedense em número igual ao das pessoas da sua família». Entre outras razões, da ordem da fé de cada um e de uma comunidade, aponta-se o agradecimento do povo de Cantanhede à Senhora de Vagos pelo benefício de «alcançar água no tempo em que não chovera sete anos», sendo esta «a antiguidade e privilégio que aqui é mais memorável».
Fernando Martins