Janelas estreitas
e relações limitadas
e relações limitadas
António Marcelino
«Há meios de comunicação social que, não só em relação à
Igreja, mas também à política e a outras realidades sociais importantes,
“adoram o conflito”, a divisão e o confronto, ainda que inútil, quando não
mesmo ridículo. É seu gosto preferido explorar o que pode dividir e provocar
fricção. É isto o que se vende a leitores ou ouvintes superficiais, sempre
ávidos de novidades que choquem. Será esta a sua missão?»
Cada vez me impressiona mais a maneira como é lida a Igreja
em Portugal pelos meios de comunicação social. Porque a maioria dos jornalistas
prefere as janelas estreitas, logo reduzem os seus horizontes. Porque são
limitadas as suas relações com gente da Igreja, depressa se convencem que a
Igreja se reduz aos seus conhecidos.
A boca do palco não é lugar para muita gente e está
habitualmente ocupada. Também na Igreja, uns têm vocação de trabalhar nos
bastidores, outros de longe se habituaram a ser esquecidos ou a só serem
lembrados quando algum facto grotesco, real ou ficcionado, directa ou
indirectamente, lhes toca de algum modo. Assim, para os profissionais dos
media, há na Igreja os gurus que são ouvidos por tudo e por nada, e os que, por
si ou pelas terras onde se gastam na construção do Reino, nunca são notícia que
interesse. Dizia-me um bispo de uma diocese discreta: “A gente de Lisboa pensa
que só lá é que há Igreja?” Conhecia-o, sabia da sua obra e entendi.
Há meios de comunicação social que, não só em relação à
Igreja, mas também à política e a outras realidades sociais importantes,
“adoram o conflito”, a divisão e o confronto, ainda que inútil, quando não
mesmo ridículo. É seu gosto preferido explorar o que pode dividir e provocar
fricção. É isto o que se vende a leitores ou ouvintes superficiais, sempre
ávidos de novidades que choquem. Será esta a sua missão?
É erro crasso pensar-se que a Igreja, em Portugal, são
apenas alguns bispos mais mediáticos, quer o sejam pelo seu valor, quer pelo
empenho de amigos em os mostrarem e promoverem. Será sempre empobrecedor
reduzir a vida, o pensamento e a pronúncia da Igreja apenas à opinião, pedida
ou aproveitada, dos mais conhecidos e escutados. Certamente, quando falam ou
escrevem nunca pensam ir além da sua opinião, própria e legítima. Porém, a
visão mutiladora das janelas estreitas e das relações restritas, logo transforma
opiniões em dogmas e silêncios em omissões. Quando os critérios de juízo são
pobres e limitados, e o conhecimento da realidade e da vida eclesial pouco mais
que nulo, procuram-se logo sintonias ou dissonâncias para contrapor ideias,
pessoas e intervenções. O realce de uma primeira página ou a abertura de um
noticiário em tempo nobre, enriquecem a moldura do quadro pretendido ou
forjado. Também assim se vendem jornais e sobem audiências.
Dificilmente dará da Igreja e da sua acção uma ideia exacta
quem só a conhece de fora, ainda que faça do adro do templo, lugar de convívio
e de conversa. Se entrasse sem preconceitos, sentiria talvez o incómodo dos
bancos duros, das longas e, por vezes, monótonas pregações, dos cânticos pouco
modernos e até do modo diverso de estar e de participar de alguns dos
presentes. Mas só dentro, como acontece nas mais belas catedrais, se pode ver a
beleza do que aí existe e só, e a partir de dentro, através dos artísticos
vitrais, se poderá ver com olhos lavados o que é e o que faz a Igreja.
Na história recente podem ver-se homens da Igreja que sabem
espelhar, com verdade, a sua vida e acção, sem preocupação de apagar
deficiências ou de explorar valores. Muitos fazem-no num concerto social
plural. Outros, alcandorados talvez num narcisismo doentio, aproveitam temas em
que se pode beliscar a Igreja e a fé dos mais simples, procurando incursões
pessoais que os levem ou mantenham na luz da ribalta.
Do adro da Igreja tanto se podem atirar pedras para o
telhado do templo, como lançar foguetes para anunciar festas de pouca dura. Por
aí, tanto passam cortejos de louvor e de gente crente a caminho das assembleias
da família dos filhos de Deus e dos irmãos em Cristo. Mas, também, passa gente
indiferente ao que se passa lá dentro ou apenas interessada em perturbar a vida
de quem reza, serve e ama.
Tal como nas famílias, na Igreja, há filhos dedicados e
outros que o não são. Há quem zele pelo património familiar e quem o delapide.
Há gente para quem Deus é tudo e gente para quem Ele está distante do seu
horizonte de vida. E todos, normalmente, são baptizados… Paulo VI, com olhos de
profeta e coração de filho e de irmão, deixou-nos um conselho luminoso: “Só
pode curar as feridas da Igreja, quem a amar de verdade”. É sobretudo um
conselho para os de dentro. Serão também estes, quando mais mediáticos por
valor próprio ou por favor dos amigos, que devem testemunhar, em todas as
circunstâncias o seu amor e compreensão para com a Mãe Igreja, não se juntando,
nem dando tom ao coro dos que lhe atiram pedras e lhe sujam o rosto. Para um
cristão, aberto e esclarecido, diminuir a Igreja é prejudicar a sociedade.