RELIGIÃO NA RESPONSABILIDADE
Anselmo Borges
A caminho dos 93 anos, é um dos últimos sobreviventes daquela plêiade de gigantes políticos europeus que reconstruíram a Europa, souberam lidar com a Guerra Fria, contribuíram, sem tibieza, para o desanuviamento mundial, estabeleceram as bases da União Europeia. Quando a política não era mera Realpolitik, pois ainda se apoiava em saber e se movia por ideais. Foi ministro da Defesa, da Economia e das Finanças, chanceler federal. A sua influência continua hoje forte através do seu semanário DIE ZEIT. Falo de Helmut Schmidt.
Acaba de publicar Religion in der Verantwortung. Gefährdungen des Friedens im Zeitalter der Globalisierung (Religião na responsabilidade. Perigos da paz no tempo da globalização), reunião de textos de conferências em várias partes do mundo. Ficam aí algumas ideias marcantes.
1. Várias vezes se confessa cristão, embora cristão "distanciado". Apesar das dificuldades doutrinais e das desilusões, permanece na Igreja, porque ela "põe contrapesos à decadência moral na nossa sociedade e oferece apoio moral, que de outro modo se não tem".
2. A colega Marion Gräfin Dönhoff tinha razão: "Uma sociedade sem normas morais desfaz-se; uma liberdade desenfreada leva à brutalidade e à criminalidade. Todas as sociedades precisam de laços. Sem regras, sem tradição, sem consenso quanto a normas de comportamento, nenhuma comunidade subsiste." E acrescenta ele: "Não podemos viver em paz, sem os deveres e as virtudes desenvolvidos no cristianismo."
3. A existência humana não se deixa reduzir à satisfação das necessidades materiais. O ser humano precisa sobretudo de orientação para o sentido da sua vida, capaz de responder às "perguntas últimas". "Apesar do Iluminismo crescente desde há quatro séculos - e apesar do ateísmo comunista -, a necessidade metafísica de orientação por parte do Homem manteve-se viva." As religiões surgem precisamente desta exigência de orientação por uma verdade mais elevada.
4. O Estado deve ser religiosa e cosmovisionalmente neutro. Portanto, tem de salvaguardar e garantir os direitos fundamentais; quanto à salvaguarda e garantia dos valores fundamentais, aí aplica-se o princípio: tua res agitur, isso é assunto teu, "de cada um, de cada comunidade, da Igreja". As Igrejas com os seus valores participam no processo de formação da vontade política, mas "o Estado não pode garantir juridicamente convicções que as Igrejas não conseguem transmitir aos seus fiéis".
5. Tem muitas dúvidas quanto a uma política cristã. Mas procurou ser um político cristão, isto é, tentou, nas grandes tomadas de decisão, não esquecer a inspiração cristã. "Uma política sem consciência tende para o crime." Uma política não orientada pela razão, que não mede as consequências, os riscos e as chances, irresponsável perante a consciência e a História, é certamente "não cristã". Não deixou de rezar, concretamente o Pai-Nosso. Lembrou os dez mandamentos. Precisou da música coral da igreja, de um bom pastor (é luterano) ou bispo e do seu apoio pastoral. Aliás, o que hoje esperamos da Igreja é "cuidado e consolação, compaixão com os fracos e pobres, solidariedade com o nosso vizinho doente".
6. No tempo da globalização, é essencial a tolerância entre as Igrejas e entre as religiões - a tolerância positiva: respeito, conhecimento mútuo. Por isso, manifesta-se contrário às missões: converter outros, como se só a nossa religião fosse fonte de verdade e salvação.
Sabe por experiência própria, pois reúne responsáveis das diferentes religiões, que não estarão de acordo nas doutrinas, mas encontram consenso mínimo nas questões dos grandes interesses da Humanidade.
7. Princípio nuclear: o respeito pela dignidade inviolável de cada ser humano. O esquecimento de que o Homem não é para a economia, mas a economia para o Homem fez com que a especulação financeira desembocasse no "capitalismo de rapina". A par da Declaração Universal dos Direitos Humanos é preciso ensinar a Declaração Universal dos Deveres Humanos.