SENTADO À BEIRA-MAR
Georgino Rocha
Sentado à beira-mar, faz o balanço da missão. O programa vai
a meio e parece comprometido. Expulso de Nazaré, onde é acusado de ter acessos
de loucura, dirige-se a Cafarnaúm, terra de encruzilhada de povos que vivem do
campo, do comércio e da pesca. Os discípulos questionam-se e fazem perguntas
que denotam pouco aproveitamento das lições anteriores.
Jesus, sentado à beira-mar, vira as costas à terra onde vive
gente ingrata e endurecida, revê o filme da sua aventura, renova a sua adesão
ao projecto de salvação que Deus Pai lhe confia e sonha novas ousadias. O
ambiente favorece-o nesta viagem interior: mar sereno a desafiar novas rotas,
brisa suave a despoluir preocupações sobrecarregadas, ondulação ritmada que, de
vez em quando, chega à praia e desperta outros entusiasmos e encantos ao
espreguiçar-se perante o seu olhar extasiado e sonhador, e junto aos seus pés
de cansado viajante.
A atitude de Jesus nas margens do mar de Tiberíades tem um
fundo histórico, mas é sobretudo simbólica. Tantos, ao longo dos anos, se
sentam para fazer o ponto da situação da sua vida. Tantos escolhem a beira-mar
para refazer forças em tempo de merecidas férias ou de outros lazeres. Tantos
ganham o pão, correndo riscos de morte, nas fainas da pesca ou no trabalho
ingrato dos que sulcam as águas intempestivas, transportando bens e pessoas.
(Neste domingo celebra-se o Dia Mundial do Mar e, a propósito, o Conselho
Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes publicou uma excelente
mensagem). Tantos fazem do mundo marítimo o ganha-pão das suas famílias, o
laboratório das suas pesquisas, o viveiro das suas esperanças, o “baú” do luto
das suas memórias. Tantos se cruzam com o Infinito e se deixam “tocar” por Ele,
abrindo-se a outras dimensões da vida, iniciando ou reforçando a experiência
religiosa e a prática cristã.
A viagem interior de Jesus adquire uma nova e atraente
expressão. Aproveita a chegada de numerosas pessoas para fazer uma radiografia
ao coração humano, descrever as atitudes mais comuns perante a novidade da vida,
lançar algumas interpelações aos ouvintes e dar um reforço à exígua compreensão
dos discípulos.
Recorre a um estilo de comunicação acessível: a parábola do
semeador e, nela, faz o relato da revisão do seu programa de missão, retrata a
atitude dos ouvintes que recebem a semente da palavra e manifesta a preocupação
pela preparação de quem vier a ser semeador do futuro.
Em linguagem simples e sugestiva, rica e clara, narra a cena
de todos conhecida, traz à consciência realidades profundas, envolve os ouvintes,
fazendo-os participantes do relato e da urgência da mensagem que comporta.
“A cesta de Deus está cheia de boas sementes para todos”,
mas a sorte de cada uma fica pendente da atitude de quem a recebe. A narrativa
realça a simbologia da parábola: a beira dos caminhos condensa as oportunidades
perdidas; os sítios pedregosos apontam para os corações endurecidos pelo
preconceito e ignorância, embora com emoções fáceis e alegres; os espinhos da
vida realçam os conflitos gerados pela ânsia da posse e do prestígio, conflitos
que sufocam as capacidade criadoras; a boa terra evoca o paraíso original e
antecipa o desfecho final da missão de Jesus, constitui o símbolo do coração
generoso e bom, totalmente disponível, capaz de gerar vida em abundância e
qualidade.
Da beira-mar, Jesus passa a sentar-se na barca de cada um –
a consciência – e da Igreja – povo em comunhão organizada – para sulcar as
águas do mar do mundo onde as sementes do Reino vão germinando e crescendo.