DE BICICLETA ... ADMIRANDO A PAISAGEM - 23
AS NOSSAS BICICLETAS - IV
Caríssima/o:
Pode ser que esta lembrança de meu irmão Artur nos faça, pelo menos, acenar a cabeça e a remoer imagens que teimam em se afastar cada vez mais do nosso quotidiano:
«O FUNERAL E A BICICLETA
Nos tempos da minha infância, os funerais saíam da casa do falecido e todos os acompanhantes iam a pé, com o tempo que estivesse nesse dia, ou chuva ou vento.
Assisti a muitos funerais; este foi no Farol da Barra e, como sempre, a garotada acompanhava estes actos para levar as bicicletas.
Mas havia dois problemas: os que não sabiam andar com as mesmas não tinham sorte; ou então tinham que mentir porque o que eles queriam era aprender a andar!
Este funeral era de um senhor que tinha uma loja, era muito conhecido e foi muita gente.
Quanto a mim tive a sorte de levar a bicicleta dum senhor conhecido, sargento da Marinha: era uma bicicleta nova de marca estrangeira!
Chegou-se ao pé de mim e disse-me: «Vais levar a minha bicicleta, porque sei que sabes andar! Tem muito cuidado com ela!»
Quando ouvi aquelas palavras, fiquei um pouco admirado e quando ma entregou parece que nem acreditava. De facto, fui muito cuidadoso para que não houvesse nenhum problema.
Quando o funeral acabou, cada garoto estava junto da respectiva bicicleta. Se virmos bem a coisa, dava a impressão que havia compra e venda de bicicletas, pois cada garoto esperava a recompensa.
Ao chegar junto da bicicleta, o senhor sargento, a primeira coisa que fez, foi dar uma vista de olhos e como estava tudo normal, tirou do bolso 2$50 (vinte e cinco tostões!) e deu-mos. Fiquei radiante e disse-lhe «muito obrigado». (Ele podia fazer isso porque ganhava bem naquela altura.)
E foi assim que aconteceu nesse funeral, porque quanto a outros não tinha sorte de me darem nada. Mas já era um grande prazer andar de bicicleta!
Quando em certos dias só se viam garotos de bicicleta na estrada, logo se sabia que havia um funeral.»
Pela cópia Manuel