Escola primária do centro
Maria Donzília Almeida
Por contingências da profissão docente, senti-me recuada no tempo, cerca de meio século e colocada na Escola Primária onde aprendi as primeiras letras. As primeiras e as últimas, já que foi desta escola, que preparada pela D.ª Arminda Moreira, na 4ª classe, parti... à descoberta do mundo. Aqui fica o meu agradecimento a esta senhora que tão bem me preparou para o prosseguimento de estudos. Ainda, há pouco, me cruzei com ela e regozijei-me com o seu bom aspeto, que elogiei. Acusou-me de miopia, causa da minha visão desfocada da sua imagem!!!
— Ah, mas eu já uso óculos desde os meus 17 anos, pelo que o defeito já deve estar corrigido, há muito tempo! — Retruquei, na ânsia de dar consistência ao elogio que fizera.
Foi num misto de nostalgia e revivalismo, que calcorreei os corredores da escola carcomidos pelo caruncho e pelas marcas do tempo Os pezinhos das crianças a correr e a saltar evocam em nós os tempos em que também fazíamos parte do grande bando de passarinhos à procura de alimento para a alma.
Se agora todos os alunos chegam à escola calçados, com sapatos ou sapatilhas de marca, rivalizando uns com os outros, eram raros, naquele tempo, aqueles que usavam calçado, sendo os tamancos e as chancas, os precursores do moderno e diversificado calçado da nossa época.
Ainda recordo que, uma vez que me foi oferecido um par de tamancos de madeira, novinhos, eu tive esta atitude “ecológica”; num dia de morrinha característica desta zona das Gafanhas, fui solicitada a ir abrir o portão da rua, a alguém que batera à porta. Eu, que andava, no interior da casa, a ensaiar os primeiros passos com os cobiçados tamancos para me habituar a eles, solto-os dos pés e corro pelo cimento molhado, até ao portão. O ralhete estava à minha espera, no regresso, inevitável. — Tive tanta pena de sujar os tamancos! Tartamudeei a medo.
Recordei os dias que ali passara, numa sequência que, na altura, na da tinha de monótono. Os jogos da altura, a macaca, o chácharo com pedrinhas bem redondinhas, as rodas, o malhão, o vira e tantos outros alimentavam a imaginação da pequenada que assim se entretinha de forma lúdica e saudável.
As salas lá estavam intactas após uma boa restauração levada a cabo pela autarquia. Apenas o acrescento de uma nova sala fora feito, mantendo as linhas arquitetónicas da escola primitiva. Até o fogão de sala fora recuperado e mantido como uma relíquia do passado. Nessa época, era a população da aldeia que abastecia a escola de lenha para todos se aquecerem nas longas noites de inverno. Que saudades! Eu aí... era feliz! Com o retrato do Almirante Américo Tomás e o de Salazar, ao lado do crucifixo, por estranho que pareça, nunca me senti oprimida! E as nossas caritas, quando levantávamos a cabeça, deparavam sempre com aqueles “homens” mas não nos amedrontavam. É certo que na altura não se metia medo às criancinhas, como hoje se faz aos adultos, com algumas figuras da cena política atual!!!
Era criança, não tinha consciência política, não tinha que fazer uma opção política como a do próximo dia 5 de junho! Sim é verdade! Mas... havia uma coisa nesses tempos de pé-descalço, que hoje está a desaparecer: aprendia-se e ensinava-se com e por gosto. Era bom ser professor e era bom ser aluno. Hoje, dizem as más-línguas, é bom… ser aluno!
Perdida nestas divagações, quase esqueci os motivos por que fui levada à escola primária. Desde que existe a AEGE (Associação de Escolas da Gafanha da Encarnação), os professores podem ser destacados para um qualquer estabelecimento de ensino que lhe pertença.
Depois das recomendações feitas pela professora titular do 1.º ano, lá se acomodaram as criancinhas e começaram a trabalhar. Como não me conheciam e a curiosidade está à flor da pele, um aluno iniciou a oralidade, comentando: — É nova!
Sorri, com beatitude, pois um “piropo”, para começar, é sempre bem-vindo! Os trabalhos prosseguiam, as avezinhas chilreavam, às vezes com gorjeios dissonantes, mas valha-me Deus, são coisinhas fofas que precisam de muito carinho.
Sem dúvida, mas “de pequenino se torce o pepino” e quando eles se dirigiam à professora, tratando-a como fazem às mães ou irmãos, por tu, também aí se aplicou a pedagogia. A diferenciação das hierarquias não se pode ignorar e se queremos um clima de respeito e aceitação da autoridade, temos mesmo que começar do berço.
A meio da resolução da sua ficha, intervém o JP e diz: — A S.ª Prof.ª parece a minha avó!
— Boa! Pensei com os meus botões. Aprendeu a lição!
30.05.2011