quarta-feira, 1 de junho de 2011

Nunca aprendemos as lições da história



Quantos pães tendes?

António Rego

Somos nós e a terra, o pão, a cultura, o espírito, a esperança, convivência, a alegria do presente do futuro. Tudo isto é pão essencial na nossa mesa.

Diz-se, com ironia, que a única lição que aprendemos da história é que nunca aprendemos as lições da história. Muitas vezes olhamos para ela como uma espécie de penumbra, com antepassados mesmo recentes de tipo homúnculo, distantes das luzes que generosamente nos iluminam. Se recapitularmos os dois últimos séculos do nosso país à procura de realidades como crise, falência, bancarrota, notamos que sempre que isso aconteceu isto é, sempre que se chegou a uma situação social limite, sem recuo, logo surgiram soluções drásticas de emergência conhecidas como revoluções, golpes, ditaduras mais ou menos sangrentos. E, aqui e agora, no dia em que os cofres ficarem vazios, os salários, reformas, subsídios, economias reduzidos a zero, as mesas sem pão – poderá chegar um qualquer salvador, verdadeiro ou falso, seja qual for a sua cor, partido ou qualidade que cairá nos braços do povo. Com carta branca para enterrar muitos dos nossos sonhos.

Pode isto não passar do capítulo menor duma qualquer novela. Mas já aconteceu e ninguém garante que se não possa repetir. Quer isto dizer que possivelmente muitos de nós ainda não nos apercebemos onde pode desembocar esta crise. E que, possivelmente, quem estará em maior perigo são as crianças e os jovens que vão crescer num país espoliado que viveu ilusões e ideais legítimos de um lugar digno no xadrez mundial do desenvolvimento. Para bem ou para mal nada se passa isoladamente. Pequeno país, não é uma pequena aldeia que se sustenta isolado do resto do mundo. Estamos ligados a um planeta, um mercado material e cultural que nos alimenta e sorve, nos envolve, desenvolve e sufoca, premeia e castiga. Há dependências do fundamental para a nossa subsistência, há compromissos que se não forem cumpridos nos retiram da mesa o sustento das nossas vidas. Deixando sempre a salvo os que melhor se governam. Veja-se a história.
Neste contexto temos de olhar o presente e o futuro coletivamente. Procurando o essencial primeiro e só depois o acessório. E compreender quais as nossas prioridades, preocupações, empenhos, apostas, entrega de energias. Aqui entram os nossos princípios, valores, compromissos. A capacidade de trabalho, entrega, renúncia, partilha, consciência, sentido dos outros, perceção clara de que um país, uma pátria, não é um ser abstrato ou um retângulo sem gente. Somos nós e a terra, o pão, a cultura, o espírito, a esperança, convivência, a alegria do presente do futuro. Tudo isto é pão essencial na nossa mesa. Mais que os adereços, pequenas e grandes futilidades, investimentos no supérfluo sem sentido nem nobreza. Neste contexto se enquadra o conceito de justiça, equidade, solidariedade, caridade. A doutrina social da Igreja não é um compêndio teórico moralizador sobre os bens. É a tradução rigorosa do Evangelho para a justiça social. Que diz respeito a todos e a todos compromete na procura e distribuição pão de cada dia.
 A grande pergunta provocatória que nos é feita hoje é esta: Quantos pães tendes?

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