MALDITA MATEMÁTICA!
Caríssima/o:
Dediquemos este nosso passeio matinal a todos e todas que se preparam para os últimos testes do ano e desejar-lhes que os bons sonhos os impulsionem rumo a um futuro promissor!
«Era a campainha da escola. E não parava de tocar. O João abriu os olhos de repente e endireitou-se na carteira. Tinha despertado mesmo a tempo de ouvir o professor bater as palmas e dizer:
- E pronto, o tempo chegou ao fim. Quero as vossas folhas em cima da minha secretária. Ouviram?
Lá ouvir tinham ouvido mas só alguns alunos, poucos, se levantaram e entregaram as folhas. Os outros continuaram sentados e aproveitaram para um último e desesperado esforço final.
O João esfregou os olhos e leu mais uma vez a pergunta fatal:«A que horas chegou ao ponto “B” o primeiro homem e quanto tempo depois do segundo?»
Se ele bem entendera aquele problema, o primeiro homem ainda ia a caminho do ponto B e o segundo homem nunca lá chegaria porque já tinha morrido. Para ele era essa a resposta certa.
Mas ... e o professor? Compreenderia ele aquela resposta? O João tinha muitas dúvidas. Para isso talvez fosse necessário contar-lhe toda a história desde o princípio e o professor não gostava de histórias, gostava de resultados concretos, de números.
Entregue aos seus pensamentos, o João nem deu pela proximidade do professor que se cansou de esperar e veio recolher os testes às carteiras. Quando o sentiu já ele lhe arrancava a folha da frente. E a folha estava em branco.
- Com que então temos aqui um zero – disse ele com um sorriso cínico antes de se afastar com o monte de folhas na mão.
“Estou perdido”, pensou o João enquanto arrumava as coisas na pasta.
Já na rua, caminhou sozinho, de cabeça baixa. Foi pelas ruas do costume mas sem dar por nada, como um fantasma. Só deu acordo de si quando passou em frente à loja onde a tal bicicleta estava exposta.
Lá estava ela na montra. O sol que atravessava o vidro avivava-lhe as cores do quadro e desenhava estrelinhas prateadas nos cromados do volante.
- É fantástica! - murmurou o João para si mesmo, mais animado. Entre ele e aquela bicicleta fantástica só havia um vidro fino, uma barreira transparente, quase invisível, igual às que separam um mundo doutro mundo, mas muito mais difícil de transpor.
Incapaz de resistir a tão grande atracção, o rapaz entrou na loja. Queria ver a bicicleta mais de perto, queria tocar-lhe...
- Que deseja? - perguntou o dono da loja, um homem sisudo, de bigode e fato escuro.
O João apontou timidamente para a bicicleta:
- Será que...
- Será que...
- Será que o quê?
- Será que a posso experimentar? - arriscou o rapaz. - Só sentar-me um bocadinho em cima dela?
O homem da loja não mostrou grande agrado mas disse que sim com a cabeça e o João não hesitou um segundo. Largou a mochila das costas e saltou para a bicicleta. Embora estivesse parado podia imaginar a brisa fresca do Verão a bater-lhe no rosto.
- Então que tal? - perguntou o homem impaciente.
- É fantástica! - disse o João. Sentia-se como um rei, sentado no seu trono.
- Será que...
- Será que o quê?
- Será que posso deslizar um bocadinho, só um bocadinho?
O homem fez um gesto de enfado e não disse que sim nem que não. Mas o João foi deslizando mesmo em direcção à porta. Não era essa a sua intenção mas assim que a bicicleta se pôs em movimento ele percebeu que não a poderia parar. Num impulso vindo sabe-se lá de onde, deu duas fortes pedaladas e atravessou a loja atafulhada de coisas. Derrubou duas caixas de cartão e um expositor de acessórios e depois saiu pela porta a grande velocidade.
O homem da loja veio a correr atrás dele, aos gritos, mas quando chegou cá fora já ele ia ao fundo da rua. No cruzamento, o sinaleiro mandou-o parar mas o rapaz seguiu em frente e deixou-o a gesticular com o apito na boca.
Houve travagens bruscas, gritaria, confusão, mas o João não deu por nada. Cerrou os dentes e pedalou ainda com mais força. A bicicleta deslizava suavemente sem quase tocar no chão e pouco depois já ele tinha atravessado a cidade inteira e ia para além do monte, para além da linha do horizonte.
Não é possível saber que rumo tomou nem onde terá ido parar. Quando se vai ao volante de uma bicicleta Ralling não se medem distâncias e o mundo torna-se pequeno, quase insignificante.»
Álvaro MagalhãesPela cópia:
Manuel