AS NOSSAS BICICLETAS — II
Caríssima/o:
A poesia da semana passada é quase (como que) um diário de bordo e reporta de maneira real toda a fantasia dos nossos dez-quinze anos, seja hoje ou tenham passado décadas.
Também andámos pelas nossas estradas a correr, a voar, a arrastar, a esfarrapar...
Isto de andar de bicicleta é como nadar: primeiro tem de se aprender...
Dominada a máquina, depois das quedas, dos tombos, dos saltos, das esmurradelas e amoladelas (para só falar destas!...), incorporados no grupo e recomendados a um mais velho, estávamos aptos para a primeira viagem até Aveiro, para o Liceu ou para a Escola Comercial...
Todos os dias da semana, sábados incluídos – que nesses tempos tínhamos aulas aos sábados... - um rancho de várias dezenas de rapazes e raparigas enchia a estrada da Gafanha para Aveiro.
Teremos ocasião para relembrar algumas das cenas ocorridas nessas deslocações, umas trágicas, cómicas outras, doridas ou divertidas, chuvosas ou suadas, enfim, para quase todos os gostos.
Fixemo-nos tão-só nas bicicletas... Ainda se lembram da que me coube em sorte? Lá fizemos boa companhia e, com ganas de a atirar à Ria em certas ocasiões, foi-me transportando durante os anos de estudo. Cada um de nós terá a sua estória com a que lhe foi atribuída: ganapos de dez-onze anos nem sempre era fácil conseguir máquina adaptada ao tamanho do pretendente a ciclista. Viam-se então arranjos e alterações que não lembrariam ao melhor engenhocas... O mais fácil era descer o selim e ensaiar umas pedaladas em bicos de sapatos... Se desse, o problema estava resolvido, caso contrário era verruga acentuada na testa e trejeito na boca que indiciava caso muito bicudo e nem sempre de fácil solução: os cobres eram poucos e os tempos difíceis, mesmo para os ricos (chamávamos assim aos que tinham terras e faziam a sua vida na lavoura...).
Ora, um nosso companheiro (que depois veio a ser o maior calmeirão ...), apesar de o selim estar todo em baixo, nem em bicos de pés (ou de sapatos...) conseguia chegar aos pedais... O caso estava sério, mas com a intuição e o génio do desenrascanso e já que a necessidade aguça o engenho e o rapaz tinha de ir com os outros, tira-se o selim da bicicleta, pega-se num saco de serapilheira a servir de almofada e toca a andar que se faz tarde!..., de pé para chegar aos pedais, um rápido descanso no «fofo do selim», e era um tal de papar os quilómetros da viagem diária... sempre com muita alegria e um riso sonoro que ainda hoje nos contagia.
Destas não aparecem no Guinness e é pena.
Manuel