O Jesus de J. Ratzinger/Bento XVI
Anselmo Borges
Foi ontem posto à venda, em várias línguas, o volume II da obra sobre Cristo, de Joseph Ratzinger/Bento XVI: Jesus de Nazaré. Da Entrada em Jerusalém até à Ressurreição, condenado, como o primeiro, publicado em 2007, a ser um best-seller.
Os media já tinham tido acesso a excertos, e destacaram sobretudo a afirmação de que não foi "o povo judeu enquanto tal" a insistir que Jesus fosse condenado à morte, mas "o círculo das autoridades sacerdotais e o grupo dos apoiantes de Barrabás".
Agora, com o livro todo disponível, pergunta-se: qual é a sua tese central?
Ratzinger procura a figura de Jesus e o núcleo da sua mensagem. O que ele quer entregar-nos é o Cristo da fé, mas este Cristo é o Jesus da história. De facto, a mensagem do Novo Testamento não consiste numa mera ideia: "Funda-se na história que aconteceu sobre a superfície desta Terra."
No meu entender, é este o fio condutor da obra: "A Encarnação de Jesus ordena-se para o sacrifício de Si mesmo pelos homens, e este para a ressurreição; caso contrário, o cristianismo não seria verdadeiro."
"Não é porventura verdade que o facto de os homens não estarem reconciliados com Deus, com o Deus silencioso, misterioso, aparentemente ausente e todavia omnipresente, constitui o problema essencial de toda a história do mundo?" Ora, Jesus, carregando sobre si a iniquidade e a malvadez do mundo, o pecado de todos, e oferecendo-se a Si mesmo em expiação, realiza a reconciliação, e a história inteira encontra então a sua verdadeira finalidade e sentido. Este é o conteúdo mais profundo da sua missão.
No Novo Testamento, não há lugar para as teologias da revolução. Jesus confessa-se Messias e Rei, mas o seu Reino não é deste mundo. Jesus não é simplesmente um rabi afável, mas também não concorda com a história a sua imagem de um rebelde político violento. Jesus inaugurou um novo Reino, o Reino de Deus, um Reino não político, que só é possível, em última análise, através da Cruz: "Só por meio da fé no Crucificado, nAquele que é desprovido de todo o poder terreno e assim elevado, aparece também a nova comunidade, o novo modo como Deus reina no mundo."
Mas não há aqui uma contradição? Não supõe a ideia de expiação uma concepção de um Deus cruel? "Não será cruel um Deus que exige uma expiação infinita?" Ratzinger responde: "Deus não pode pura e simplesmente ignorar toda a desobediência dos homens, todo o mal da história, não pode tratá-lo como algo irrelevante e insignificante. Uma tal espécie de 'misericórdia', de 'perdão incondicionado', seria aquela 'graça a baixo preço' contra a qual se pronunciou com razão Dietrich Bonhoeffer, face ao abismo do mal do seu tempo. A injustiça, o mal real não pode pura e simplesmente ser ignorado, ser deixado em paz. Deve ser transformado, vencido. Só esta é a verdadeira misericórdia."
E então: "O que sucede não é que um Deus cruel venha pedir algo de infinito mas precisamente o contrário: o próprio Deus apresenta-Se como lugar de reconciliação e, no seu Filho, carrega sobre Si o sofrimento. O próprio Deus introduz no mundo, sob a forma de dom, a sua pureza infinita. O próprio Deus 'bebe o cálice' de tudo aquilo que é terrível e, assim, restabelece o direito por meio da grandeza do seu amor, o qual, através do sofrimento, transforma a escuridão."
A fé na ressurreição de Jesus é o fundamento da mensagem cristã. "A fé cristã fica de pé ou cai por causa da verdade do testemunho segundo o qual Cristo ressuscitou dos mortos." Aqui assenta a esperança de que Deus enxugará todas as lágrimas, nada ficará que seja sem sentido, será estabelecida a justiça. "A vitória do amor será a última palavra da história do mundo."
Aí está uma obra argumentada e belíssima, pela qual não se passa indiferente. Poderá ser acusada de intimismo, dolorismo, até acenos de hegelianismo, e postergando a subversão religioso-política do Jesus histórico. Vejo nela uma cristologia estética e tragicamente mística. Mas é o Jesus, o Vivente, de Ratzinger, em quem ele crê e por quem deu a vida, convidando outros.
In DN