Profetismo corajoso
da igreja,
da igreja,
uma urgência à vista
António Marcelino
Os políticos no poder, pelo seu modo de falar e de agir, têm sempre razão no que fazem e no que dizem, e, no seu pensar, só eles a têm. Por isso mesmo, se fecham orgulhosamente às opiniões contrárias e às críticas sobre problemas concretos, por mais justas e legítimas que sejam umas e outras. Os mesmos políticos, quando estão na oposição, reivindicam o que agora negam. Assim se mostra, lamentavelmente, a pobreza do jogo democrático e se mina o seu sentido, bem como se mostra a impreparação de muitos políticos para a missão que a nação espera deles.
As pessoas falam da crise do país, porque lhes dói. Parecem mais desatentas do respeito devido aos direitos fundamentais, não pesando as consequências a que uma tal atitude pode levar o país. O menosprezo pela missão dos pais em relação à educação dos filhos e à escolha do projecto educativo que lhes garanta uma educação com êxito; a não aceitação do princípio da subsidiariedade, da livre iniciativa e da legítima participação cívica; as decisões legais e as omissões graves que minimizam e destroem, na sua raiz natural, a instituição familiar; a desatenção aos mais pobres, cada vez mais privados do essencial, sobrecarregados de impostos e massacrados pela subida de custo de bens essenciais; a sobreposição da crise económica e financeira de que o povo não é o culpado, às exigências de justiça social; o clima de mentira, corrupção, arbitrariedades, proteccionismo, violência e insegurança, são aspectos dolorosos, ainda que não generalizados, da realidade que vivemos. Já ninguém se cala acerca da crise que, se é grave como crise económica e financeira, não é menos grave, até porque tem também aí parte da sua raiz, em relação a valores não respeitados nem promovidos, que estão na base do respeito pela pessoa, do desenvolvimento pessoal e comunitário, da defesa dos direitos fundamentais, do exercício e da qualidade da educação e da justiça para todos, das condições do trabalho e do direito ao mesmo, das relações humanas promotoras de verdade, harmonia e paz e da serena convivência humana e social.
Perante esta crise, não falta quem se interrogue se a Igreja, por meio dos seus mais responsáveis, os bispos, não deve exercer, quanto antes, a sua tarefa profética, dada a sua presença na sociedade com a sua acção humanizante, como parte integrante da missão evangelizadora. Certamente o deverá fazer no respeito pela legítima autonomia do poder civil e da própria Igreja, como intervenção isenta num mundo plural, aberta a uma alargada colaboração. Ao longo das últimas décadas, e especialmente das mais recentes, foram vários os pronunciamentos dos bispos em relação à vida nascente, à família, à educação, à escola, ao trabalho, ao voluntariado, a situações sociais diversas da comunidade nacional. O que se pede, então, agora? Uma leitura realista e actualizada das situações que afectam hoje a vida das pessoas, das tensões sociais que se vivem no seio da comunidade, do desprezo pelo princípio da subsidiariedade, da iniciativa privada e da legítima participação, dos direitos pessoais e colectivos não respeitados em relação à educação, à saúde, à justiça, à escola, à defesa e promoção de um clima moral sadio e respirável…
Os cristãos e todos quantos se preocupam com a situação grave do país pedem aos bispos não pronunciamentos isolados, mas colectivos, que sejam concretos, motivados e perceptíveis, que fomentem a esperança e, dada a implementação da Igreja por todo o país e a sua capacidade de mobilização e comunicação com as populações, que promovam a participação concreta e responsável das pessoas, dos grupos, das instituições e dos movimentos laicais. Uma participação esclarecedora das bases que contagie, desencadeie movimento e iniciativas e não deixe os cristãos cair no desânimo, na rotina e nas críticas negativas, fáceis e inúteis.
A Igreja tem no país uma história, meritória e inegável, de acção prolongada no campo da educação, da solidariedade social, da saúde, da promoção do voluntariado, da defesa dos mais pobres e frágeis, do apoio aos jovens quando decididos a emergir da banalidade que os sufoca. Não falta quem, por opções políticas e ideológicas, queira apagar as páginas desta história de séculos. A estes pode não agradar a intervenção profética da hierarquia católica e dela farão uma leitura enviesada. Foi sempre este o preço pago pelos profetas quando tocam feridas pessoais e sociais e se empenham em caminhos e tempos novos. Quando os profetas se calam, logo proliferam outros que nem sempre agem de modo gratuito, ou têm outras motivações, que não o bem da comunidade. Pior do que uma acção negativa será sempre a omissão culpável dos que podem e devem intervir e se calam.
Ler e interpretar os sinais dos tempos não é para a Igreja um mero acto sociológico. É uma exigência de evangelização, que não dispensa o conhecimento das pessoas, da sociedade e das mudanças culturais que se operam. É um meio concreto de fazer que a luz do Evangelho oriente o pensar e o agir das pessoas, das instituições e da vida social.