VENDAVAL A CAMINHO DA LANCHA
Caríssima/o:
A imagem aproxima-nos da realidade, mas falha em muitos pormenores...
Imaginar a vida das nossas estradas e vielas passados cinquenta-sessenta anos não é tarefa fácil para os que a atravessámos quanto mais para os sortudos dos nossos dias... Nessa altura o meio de transporte privilegiado era a bicicleta: circulavam milhares com destino ao trabalho: estaleiros, secas, obras, junta, aviação... Sem dúvida que muitos/muitas ainda andavam “= iam para o trabalho” a pé, mas a grande maioria tinha a sua bicicleta, mais ou menos engonçada, e era nela que se deslocava.
Como agora com os automóveis, havia congestionamentos e até engarrafamentos! Naquilo a que agora chamamos “horas de ponta”... ui, era um ver se te avias! As sinetas e as buzinas ou sirenes tocavam duas vezes: a primeira para avisar... Nesses intervalos de segundos era ver bicicletas a voar atiradas umas contra as outras ou contra o primeiro poste que as segurasse! E a corrida mais do que apressada para estar na bancada ou com a serra ou martelo na mão quando soasse o segundo toque!...Uff!mesmo a tempo, senão lá ia meio-dia de salário!
O dia de trabalho iniciava-se às oito horas; quer chovesse quer fizesse sol, as bicicletas lentas ou apressadas aí vão...
Pois um dia, qual seria não sei, nem o dia nem o mês nem o ano, mas estava um vendaval feio, daqueles que faziam zunir os fios dos postes dos telefones, nesse dia (seria dia? Mais parecia noite... lembro-me!) também se ia trabalhar e muitos trabalhadores seguiam pelas Portas d'Água em direcção ao Forte, para a Junta ou para a lancha que os atravessaria para a Aviação. Chuva, trovoada, vento, não faltava nada para tornar a travessia desagradável.
Eis senão quando voa a notícia:
- Caiu agora mesmo um homem à água! O vento atirou-o ao Poço da Cambeia!
Corremos e ainda vimos a água a escorrer do ensopado que a custo se conseguiu safar; a bicicleta não se via, desapareceu, estava no fundo...
Era verdade: um golpe de vento mais violento e o voo foi inevitável, levando o ciclista e o cesto com o farnel do almoço.
Por estas e por outras pequenas ocorrências da vida real se faz a história de uma vida e de uma terra, levando-nos a ficar presos a pessoas e a lugares que a nossa imaginação se encarrega de transportar para o país da maravilha e do sonho!
E foi verdade!
Manuel