quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Na Guiné-Bissau, em missão de solidariedade


Ruínas de uma guerra e ódio destruidor
de uma liberdade não preparada

António Marcelino


Fui há poucos dias à Guiné-Bissau, em missão de solidariedade fraterna, depois de lá ter ido, já lá vão quase quarenta anos, numa difícil e perigosa missão pastoral. Então, era a guerra. Agora, a muita miséria à vista, onde ressalta o esforço heróico de abnegados reconstrutores, uns que aí vivem de há anos, outros que vão por um tempo, todos procurando dar prioridade ao essencial: a educação, a saúde, a reconciliação lenta de etnias e religiões, o acolhimento a um voluntariado preparado e generoso, a coragem de não desistir nunca ante o que faz falta, ainda que conseguido com dores e lentidão. Tudo aquilo que se vê com algum futuro é fruto da iniciativa possível, sobretudo das instituições religiosas, porque outra iniciativa, bem urgente, como a da criação de pequenas e médias empresas que garantam trabalho, não encontra garantias de sucesso, dada a falta de segurança, de apoio, de rumo, de esperança.
País adiado

A Guiné-Bissau aparece-nos, em aspectos fundamentais, como um país ainda sem rumo certo, nem pressa de o encontrar, onde as pessoas vão vegetando, entregues a um provisório, que se vai tornando definitivo. De quem manda, se acaso há aí alguém a servir o povo, tudo sem pressa, a menos que se espere gente de fora a quem é preciso dar a imagem de um progresso que, de facto, não existe.
A riqueza mais visível da Guiné-Bissau são os muitos milhares de jovens e crianças. Património humano e natural que se está deteriorando de muitas maneiras pela falta de empenhamento presente, de perspectivas de futuro, de ocupação estimulante, de um trabalho que impulsione a viver, a crescer e a produzir.
O primeiro bispo da diocese, criada depois da independência e que ocupava todo o país, foi um franciscano italiano, D. Septímio Ferrazzetta, missionário que já aí vivia e trabalhava desde há anos, conhecia bem a realidade, viu os horrores da guerra e recebeu, com a chamada ao episcopado, um nação em ruínas e sem meios. Dotado de um coração onde o amor ao povo não tinha limites, de uma fé em Deus que era o segredo da sua coragem frente aos empreendimentos inadiáveis, de uma lucidez nos processos de acção, de uma capacidade exímia para convocar quantos, de perto e de longe, podiam colaborar com ajudas indispensáveis, foi, todos hoje o reconhecem, o primeiro cabouqueiro de uma restauração lenta, mas promissora, que foi de novo implantando e enraizando a comunidade cristã no seio de uma comunidade humana, necessitada de estímulos e de sinais de esperança, concretos e visíveis. Colhi dele a frase emblemática da sua dedicação, gravada no liceu João XXIII, que criou e que é hoje a melhor escola de Bissau. Diz assim: “Melhor que todas as construções é construir o coração do homem”. O mais difícil, por certo, mas o mais indispensável.

Saúde e educação

Logo depois vieram mais escolas, centros de formação profissional, hospitais e maternidades, apoios aos mais desprotegidos, iniciativas que pudessem gerar fraternidade e reconciliação, voluntariado organizado e colaboração sem reservas nem fronteiras. Hoje, na Guiné, país com maiorias muçulmanas e animistas e onde os cristãos são minoria, a acção da Igreja traduz-se em oásis activos e vivos, no meio de um deserto, que não gera nem vida nem esperança.
Um famoso hospital de leprosos, hoje com muitos doentes de sida e tuberculose, é dirigido por um padre franciscano português, médico, que, com um sorriso de ”Paz e Bem”, espalha cuidados, acolhimento, serenidade, alegria, esperança e competência profissional. Um hospital, modesto, mas asseado e lindo, que se transformou em lugar de apelo a médicos e enfermeiros de Portugal, que ali vão, em grupo e a seu custo, para fazer as cirurgias possíveis, durante uma semana, num trabalho sem horas e numa dedicação sem limites.
Voluntariado

Encontrei na viagem, com a alegria de saber que iríamos ser hospedados na mesma casa da diocese, um grupo de voluntários italianos que viajavam à sua custa e iam terminar as obras de restauração de um orfanato, assaltado e abandonado após a independência. Desde 2007 que tomaram a obra à sua conta e foram resgatando, gratuitamente, de ruínas abandonadas durante anos, com o apoio da sua paróquia e de outros amigos da Itália, o que por fim se tornou num lindo edifício, entregue à Diocese, equipado e mobilado, para poder receber crianças órfãs, ainda antes do Verão. Outros grupos de voluntários de Portugal e da Itália, de gente activa, jovens e adultos, homens e mulheres, mas, sobretudo, de reformados, chegam, trabalham sem horário os dias de que dispõem, ensinam os nativos residentes, regressam felizes.

“Construir o coração do homem”

Cada dia dou mais por mim a pensar se a Guiné, apesar da sua pobreza natural, que é evidente, não seria hoje um país diferente, se o tempo do colonialismo tivesse sido um tempo de promoção humana e social, de responsabilização, de valorização das pessoas e dos bens naturais disponíveis, um tempo de serviço e de respeito pela cultura e costumes locais? Muitos dos que já lá estavam e continuam agora, os missionários, sabiam como fazer e tentavam esse caminho com o povo. Ou foram, então, expulsos, ou viram destruídas as obras que serviam o povo e eram fruto de muito trabalho, generoso e abnegado. Outra gente, que por lá passou, nunca encarnou a realidade, abusou do poder, espalhou morte, viu mais os seus interesses que o das pessoas que ali viviam, para se libertar a si, criou escravos. Muito mal feito o que era urgente fazer e nunca o faria a guerra. A história da descolonização, necessária e justa, na Guiné e não só, mostra que nem sempre se respeitou o serviço às pessoas, à sua terra e à sua cultura. Era a única justificação para estar lá. As comemorações recentes, feitas com largo tempo de antena televisiva, com histórias pessoais a querer passar por heróicas, não falaram do presente, mostrando o fruto apodrecido de uma acção desumana e de uma decisão pouco responsável. A Igreja lá continua em campo, com generosidade e esperança, a mostrar que o mais importante será sempre “construir o coração do homem”. Missão só possível, quando a educação se assume como um serviço de amor, quando o outro é uma pessoa e um irmão. A lição também vale para cá e para hoje.

Etiquetas

A Alegria do Amor A. M. Pires Cabral Abbé Pierre Abel Resende Abraham Lincoln Abu Dhabi Acácio Catarino Adelino Aires Adérito Tomé Adília Lopes Adolfo Roque Adolfo Suárez Adriano Miranda Adriano Moreira Afonso Henrique Afonso Lopes Vieira Afonso Reis Cabral Afonso Rocha Agostinho da Silva Agustina Bessa-Luís Aida Martins Aida Viegas Aires do Nascimento Alan McFadyen Albert Camus Albert Einstein Albert Schweitzer Alberto Caeiro Alberto Martins Alberto Souto Albufeira Alçada Baptista Alcobaça Alda Casqueira Aldeia da Luz Aldeia Global Alentejo Alexander Bell Alexander Von Humboldt Alexandra Lucas Coelho Alexandre Cruz Alexandre Dumas Alexandre Herculano Alexandre Mello Alexandre Nascimento Alexandre O'Neill Alexandre O’Neill Alexandrina Cordeiro Alfred de Vigny Alfredo Ferreira da Silva Algarve Almada Negreiros Almeida Garrett Álvaro de Campos Álvaro Garrido Álvaro Guimarães Álvaro Teixeira Lopes Alves Barbosa Alves Redol Amadeu de Sousa Amadeu Souza Cardoso Amália Rodrigues Amarante Amaro Neves Amazónia Amélia Fernandes América Latina Amorosa Oliveira Ana Arneira Ana Dulce Ana Luísa Amaral Ana Maria Lopes Ana Paula Vitorino Ana Rita Ribau Ana Sullivan Ana Vicente Ana Vidovic Anabela Capucho André Vieira Andrea Riccardi Andrea Wulf Andreia Hall Andrés Torres Queiruga Ângelo Ribau Ângelo Valente Angola Angra de Heroísmo Angra do Heroísmo Aníbal Sarabando Bola Anselmo Borges Antero de Quental Anthony Bourdin Antoni Gaudí Antónia Rodrigues António Francisco António Marcelino António Moiteiro António Alçada Baptista António Aleixo António Amador António Araújo António Arnaut António Arroio António Augusto Afonso António Barreto António Campos Graça António Capão António Carneiro António Christo António Cirino António Colaço António Conceição António Correia d’Oliveira António Correia de Oliveira António Costa António Couto António Damásio António Feijó António Feio António Fernandes António Ferreira Gomes António Francisco António Francisco dos Santos António Franco Alexandre António Gandarinho António Gedeão António Guerreiro António Guterres António José Seguro António Lau António Lobo Antunes António Manuel Couto Viana António Marcelino António Marques da Silva António Marto António Marujo António Mega Ferreira António Moiteiro António Morais António Neves António Nobre António Pascoal António Pinho António Ramos Rosa António Rego António Rodrigues António Santos Antonio Tabucchi António Vieira António Vítor Carvalho António Vitorino Aquilino Ribeiro Arada Ares da Gafanha Ares da Primavera Ares de Festa Ares de Inverno Ares de Moçambique Ares de Outono Ares de Primavera Ares de verão ARES DO INVERNO ARES DO OUTONO Ares do Verão Arestal Arganil Argentina Argus Ariel Álvarez Aristides Sousa Mendes Aristóteles Armando Cravo Armando Ferraz Armando França Armando Grilo Armando Lourenço Martins Armando Regala Armando Tavares da Silva Arménio Pires Dias Arminda Ribau Arrais Ançã Artur Agostinho Artur Ferreira Sardo Artur Portela Ary dos Santos Ascêncio de Freitas Augusto Gil Augusto Lopes Augusto Santos Silva Augusto Semedo Austen Ivereigh Av. José Estêvão Avanca Aveiro B.B. King Babe Babel Baltasar Casqueira Bárbara Cartagena Bárbara Reis Barra Barra de Aveiro Barra de Mira Bartolomeu dos Mártires Basílio de Oliveira Beatriz Martins Beatriz R. Antunes Beijamim Mónica Beira-Mar Belinha Belmiro de Azevedo Belmiro Fernandes Pereira Belmonte Benjamin Franklin Bento Domingues Bento XVI Bernardo Domingues Bernardo Santareno Bertrand Bertrand Russell Bestida Betânia Betty Friedan Bin Laden Bismarck Boassas Boavista Boca da Barra Bocaccio Bocage Braga da Cruz Bragança-Miranda Bratislava Bruce Springsteen Bruto da Costa Bunheiro Bussaco Butão Cabral do Nascimento Camilo Castelo Branco Cândido Teles Cardeal Cardijn Cardoso Ferreira Carla Hilário de Almeida Quevedo Carlos Alberto Pereira Carlos Anastácio Carlos Azevedo Carlos Borrego Carlos Candal Carlos Coelho Carlos Daniel Carlos Drummond de Andrade Carlos Duarte Carlos Fiolhais Carlos Isabel Carlos João Correia Carlos Matos Carlos Mester Carlos Nascimento Carlos Nunes Carlos Paião Carlos Pinto Coelho Carlos Rocha Carlos Roeder Carlos Sarabando Bola Carlos Teixeira Carmelitas Carmelo de Aveiro Carreira da Neves Casimiro Madaíl Castelo da Gafanha Castelo de Pombal Castro de Carvalhelhos Catalunha Catitinha Cavaco Silva Caves Aliança Cecília Sacramento Celso Santos César Fernandes Cesário Verde Chaimite Charles de Gaulle Charles Dickens Charlie Hebdo Charlot Chave Chaves Claudete Albino Cláudia Ribau Conceição Serrão Confraria do Bacalhau Confraria dos Ovos Moles Confraria Gastronómica do Bacalhau Confúcio Congar Conímbriga Coreia do Norte Coreia do Sul Corvo Costa Nova Couto Esteves Cristianísmo Cristiano Ronaldo Cristina Lopes Cristo Cristo Negro Cristo Rei Cristo Ressuscitado D. Afonso Henriques D. António Couto D. António Francisco D. António Francisco dos Santos D. António Marcelino D. António Moiteiro D. Carlos Azevedo D. Carlos I D. Dinis D. Duarte D. Eurico Dias Nogueira D. Hélder Câmara D. João Evangelista D. José Policarpo D. Júlio Tavares Rebimbas D. Manuel Clemente D. Manuel de Almeida Trindade D. Manuel II D. Nuno D. Trump D.Nuno Álvares Pereira Dalai Lama Dalila Balekjian Daniel Faria Daniel Gonçalves Daniel Jonas Daniel Ortega Daniel Rodrigues Daniel Ruivo Daniel Serrão Daniela Leitão Darwin David Lopes Ramos David Marçal David Mourão-Ferreira David Quammen Del Bosque Delacroix Delmar Conde Demóstenes

Arquivo do blogue

Arquivo do blogue