O bispo no casino
Anselmo Borges
Os casinos, que, pela sua natureza, andam ligados ao jogo, também podem ir além e tornar-se espaços de debates profícuos. Prova disso está o Casino da Figueira da Foz, que, ao longo de 2009 e 2010, foi palco desses debates, à volta de grandes questões, com figuras cimeiras, da literatura à política, da história à filosofia, da economia à teologia.
A última tertúlia, em Dezembro, teve como tema questões sociais e solidariedade, e o conferencista foi Carlos Azevedo, bispo auxiliar de Lisboa e presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social.
Já na segunda parte, ousei perguntar-lhe, utilizando uma via mansa: "Dizem as más línguas que as Faculdades de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa (UCP) seguem uma orientação teórica mais no sentido de um capitalismo neoliberal do que propriamente mais social." E ele, inesperadamente, tanto mais quanto também foi vice-reitor da Católica: "Eu também ouço essas más-línguas. Os meus ouvidos têm escutado esses comentários, o que deve levar a fazer crer que algum fundamento existe." Questionado por Fátima Campos Ferreira sobre se a Doutrina Social da Igreja não é aplicada nos cursos de gestão da UCP, respondeu: "Pelos vistos, não." Há uma cadeira que trata disso, "mas é capaz de ser uma cadeira um bocadinho isolada do resto".
Fátima Campos Ferreira observou que a UCP, neste domínio, se encontra no topo dos rankings. Carlos Azevedo retorquiu: "Foi dado o Prémio Nobel da Economia a gente que defendeu as teorias que agora são a causa da nossa desgraça. Portanto, não admira que também possa ser apreciado um certo tipo de gestão selvagem. Nem sempre o Prémio Nobel é razão de apreço ético quanto às consequências para o futuro. Mas sabemos que muitas Faculdades e também as da Católica, do ponto de vista da Gestão, foram numa perspectiva que era a onda."
Evidentemente, há a libertas academica, que é necessário respeitar, mas torna-se urgente uma conversão ao Evangelho. De facto, "estamos a ver, neste momento, que esse tipo de gestão não tem em conta a globalidade do desenvolvimento, o desenvolvimento integral, tem em conta apenas o lucro. E, de facto, as empresas, quando contratam esses gestores, exploram ao máximo, despedem quanto é preciso. São ferozes em dimensões humanistas. Não é esse tipo de gestores que respeita a Doutrina Social da Igreja".
E sublinhou o que já várias vezes aqui também tenho repetido: que o centro da economia e da política tem de ser a pessoa humana; que o primado é do ser e não do ter; que o trabalho é um bem escasso, que é preciso saber partilhar; que criámos uma sociedade irracional do consumo sem limites, que acaba por consumir-nos no stress, no sem sentido, na desumanidade.
Já depois da tertúlia, fui ver o filme-documentário sobre a crise: Inside Job. Lá está como a ganância dos especuladores sem regulação nos colocou à beira do abismo. O mais perverso: como professores prestigiados de Economia ensinaram teorias, não em função da cientificidade, mas dos seus interesses pessoais económico-financeiros.
Hoje, também por causa das novas tecnologias, é mais fácil aquela distinção a que já Martinho Lutero se referiu, há 500 anos, num sermão célebre (tradução um pouco livre): "Quando olhamos para o mundo hoje através de todas as camadas sociais, constatamos que não passa de um grande, enorme covil de ladrões... Aqui, seria necessário calar quanto aos pequenos ladrões particulares, para atacar os grandes e violentos, que diariamente roubam não uma ou duas cidades, mas a Alemanha inteira... Assim vai o mundo: quem pode roubar pública e notoriamente vai em paz e livre e recebe aplausos. Em contraposição, os pequenos ladrões, se são apanhados, têm de carregar com a culpa, o castigo e a vergonha. Mas os grandes ladrões públicos devem saber que, perante Deus, são isso mesmo: os grandes ladrões."
Desgraçadamente, o que Lutero disse, há 500 anos, referindo-se à Alemanha, continua válido para todo o mundo hoje, também em Portugal.