Gil Vicente: Um dos artistas mais polivalente da nossa história
A Rua Gil Vicente estende-se entre a rua Gago Coutinho e a Avenida José Estêvão. Liga o coração da Chave ao centro da Cale da Vila. É uma rua sinuosa, pois terá sido construída sobre caminho de terra batida, por onde circulavam pessoas e carros de vacas, como era hábito nas Gafanhas, onde as exigências do trânsito automóvel não existiam. Foi dedicada ao criador do teatro português, Gil Vicente, que qualquer estudante conhece bem, pelos autos de sua lavra que nas escolas secundárias e liceus são motivo de estudo.
Gil Vicente foi um artista polivalente, se olharmos com atenção para a sua biografia. Terá nascido em 1466 e falecido em 1536. Digo terá, porque ainda não há consenso sobre as datas precisas do seu nascimento e morte. Sabe-se, isso sim, que ficou para a história como dramaturgo e como poeta, mas ainda como músico, encenador e ator. Aliás, sabe-se que o seu primeiro auto, o Auto da Visitação, também conhecido por Monólogo do Vaqueiro, foi apresentado nos aposentos da rainha D. Maria, consorte de D. Manuel I, para celebrar o nascimento do príncipe e futuro rei D. João III. Trata-se, segundo os estudiosos, de um marco histórico do teatro português.
Aquela cena teve lugar no dia 8 de junho de 1502, perante o rei e a rainha, estando ainda presente a rainha D. Leonor, viúva de D. João II, e D. Beatriz, mãe do rei D. Manuel.
A Gil Vicente é atribuída a célebre Custódia de Belém, obra-prima da ourivesaria portuguesa, recentemente restaurada. O local de nascimento do pai do teatro português não é conhecido. Apontam-se Barcelos e Guimarães, terras de ourives, mas Lisboa e Beiras também reivindicam a naturalidade do dramaturgo e poeta.
Não se conhecendo, com rigor, as datas de nascimento e morte, nem tão-pouco a terra onde nasceu, a verdade é que a sua obra literária, sobretudo, o impõe como um artista que ocupa lugar cimeiro na História de Portugal.
A obra vicentina reflete a passagem da Idade Média para o Renascimento, fazendo o balanço de uma época marcada por regras inflexíveis impostas pelas hierarquias e pela sociedade, ao mesmo tempo que questiona, criticando, a vida e os usos e costumes da época em que viveu.
Gil Vicente usou um estilo caracterizado por um humor fino e corajoso, sofrendo muitas vezes as consequências das suas irreverências. Os autos da Barca do Inferno, da Barca do Purgatório e da Barca da Glória, bem como a Farsa de Inês Pereira, continuam a merecer nos nossos dias a atenção dos agentes do teatro, pois exibem uma atualidade digna de nota, pela acutilância com que o autor denuncia comportamentos menos corretos.
Fernando Martins