quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

País onde parece que a perfeição é ir só até ao meio


Por António Marcelino


«Génios do inacabado, fascinados pelo imperfeito e pelo irremediável. Sobrevivem os que avançam sem olhar para o lado. São modelo de vida os que não desistem e os que procuram noutros climas melhor maneira de respirar um ar não poluído. O futebol é rei. Com ele e seus corifeus ninguém se mete. O povo, agora descontente, logo semi contente, depressa acalma. Depois, já estamos habituados a ir “cantando e rindo”, “gemendo e chorando”.»

É sempre de perguntar, provavelmente porque para muitos se trata de tempo perdido, se vale a pena continuar a chover no molhado. O povo, sempre sábio destas coisas da vida, estimula a não desistir, quando diz: “Água mole em pedra dura, tanto dá até que fura”. Quem não procura nem espera benefícios pessoais, se teima em insistir e em não se calar, só pode ser pela convicção de que se trata de algo vital e importante, e porque nele domina a convicção de que é necessário não deixar morrer a esperança. O acomodar-se ao “já chega” é sempre negativo e o ver o futuro apenas pela janela dos interesses pessoais e materiais, é apagar as razões de viver em liberdade e é menosprezar o tempo do vindouros.
As pessoas andam mais depressa quando fascinadas pela charlatanice do que pela força do pensar em aspectos fundamentais da vida em sociedade. Nós, portugueses, somos fáceis de contentar com as coisas a meias. É tudo mais rápido, menos incómodo e exigindo menos esforço e trabalho. O tempo de se sonhar e se dispor à aventura do mar revolto e sempre perigoso e do encontro misterioso com o desconhecido já lá vai. Agora, nada de aventuras, tudo depressa, dinheiro na mão, poucos sonhos… Por isso, sempre agradarão mais as palavras engenhosas, sempre haverá mais frequentadores do circo com palhaços e malabaristas, sempre se olhará curvado para a mão que dá, parece que por favor, e logo esconde ela a fatia maior, que é de todos, para com ela contentar e conquistar amigos. Tudo se esquece depressa, porque pensar e participar tornou-se penoso e incómodo. Assim se foi instalando o gosto de se ser iludido com as quimeras do vazio, as mentiras ardilosas, as meias verdades que sossegam mais depressa.
O campo que mais nos toca a todos nós, que nos orgulhamos de ser cidadãos de um país democrático, é o clima de “semidemocracia” para onde estamos a ser empurrados, sem que se vejam grandes reacções a um tal despudor, bem como ao desprezo pelas pessoas e pelo caminho já andado com acerto. O povo queixa-se da crise, mas não reflecte sobre as suas causas, incluindo nelas o seu proceder egoísta. Critica os governantes, mas logo se cala se vem aí uma medida avulsa que seja ou pareça favorável. Não há projectos para todos, há favores para alguns. Rasgaram-se há tempos pelo escândalo as vestes dos perfeitos do regime, porque um político de nome disse ante uma situação grave a exigir resposta de todos, que talvez fosse bom suspender, por um tempo, a democracia. Quem pensa percebeu a ideia, quem barafustou foi quem de há muito a suspendera já no seu dia-a-dia de responsável, contentando-se em guardar as aparências para parecer um democrata genuíno.
Está visto que domina uma geração que gosta de tudo a meio. Quem vier depois que se governe. Simplesmente, na família, na política, em muitos campos de vida, o verniz de há muito estalou, o barco mete água por todos os lados, os de fora não acreditam em nós, os de dentro divertem-se a dizer mal uns dos outros…
Génios do inacabado, fascinados pelo imperfeito e pelo irremediável. Sobrevivem os que avançam sem olhar para o lado. São modelo de vida os que não desistem e os que procuram noutros climas melhor maneira de respirar um ar não poluído. O futebol é rei. Com ele e seus corifeus ninguém se mete. O povo, agora descontente, logo semi contente, depressa acalma. Depois, já estamos habituados a ir “cantando e rindo”, “gemendo e chorando”.



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