Novos e velhos,
uma parceria necessária
António Marcelino
O tema andava-me no espírito desde há muito. Um entrevista de há dias fê-lo vir ao de cima e motivou-me a escrever. Um cirurgião de renome internacional, Gentil Martins, conhecido pelo êxito de operações com siameses, retirou-se há dez anos por reforma. Tendo-lhe sido perguntado se, em casos difíceis como o dos bebés angolanos, que acabaram por morrer, lhe era pedida opinião, dado o seu saber e experiência respondeu: “Não me disseram nada, porque se uma operação destas corre bem, tecnicamente é um brilharete. E eu entendo que não queiram partilhar o brilharete” (DN 19.10.2010). É este o problema. Muitos novos na política, na profissão, na vida social e até em instâncias da Igreja, preferem mais fazer caminho sozinhos do que com outros que os precederam e procurar com eles a melhor maneira de servir a comunidade e o bem de todos. Por este caminho, a solução de problemas que se poderia, quiçá, encontrar com a ajuda dos mais velhos e experientes, redunda, por vezes, em decisão menos acertada.
O apagamento das pessoas de antes é mais frequente do que se pode imaginar. Muitas vezes, ele é bem doloroso para gente séria e competente, que foi arrumada na prateleira, em favor de outros que chegam sem história e experiência, sem maturidade e sensatez. Nunca serão os lugares a dar competência às pessoas, mas as pessoas competentes a valorizar e prestigiar aos lugares.
Os novos podem trazer à vida um entusiasmo e um saber teórico mais actualizado. Devem, por isso, ser acolhidos com gratidão. Muitas vezes, porém, o seu horizonte de vida é ainda restrito e limitado o conhecimento da história, do caminho andado ao longo do tempo, das dificuldades superadas, das batalhas travadas, dos êxitos alcançados. Tudo isto constitui um património da comunidade, seja ela política, familiar, profissional ou eclesial. Uma riqueza e uma experiência que residem em pessoas concretas que não se podem menosprezar. Trata-se de gente que já mostrou capacidade e saber com uma vida dedicada e séria, e pode confirmá-lo de novo, se for solicitada. A vida de quem se habituou à luta não pára com a aposentação, e, menos ainda, com as decisões arbitrárias de quem julga saber tudo e poder tudo, e para quem os outros, mormente os mais velhos, são sobretudo incómodos.
Na Igreja, as páginas lúcidas do Vaticano II recomendam aos padres mais idosos que acolham os mais novos e dêem valor aos seus contributos e capacidades. E aos mais novos que acolham, também, os colegas mais idosos, dado o seu trabalho e competência. Ninguém começa do zero, nem pode, numa missão em favor da comunidade, desvalorizar o trabalho válido e o saber adquirido, em tempos com poucas facilidades e dispondo de meios bem mais escassos.
Novos e velhos podem sempre fazer parcerias construtivas em favor de decisões e de trabalho de interesse colectivo. Sabemos que os tempos vão mal para os mais velhos, arredados a empurrões para que deixem o caminho aberto aos ansiosos de poder. Não desculpam quem lhes trava a ambição. Querem trânsito livre.
Quem ainda não chegou à maturidade da idade, vem decerto a caminho. Não se pode esquecer que a justiça, quando tarda, também ela vem a caminho e não deixa de ter e exigir a sua hora.
A Igreja tem o dever de testemunhar e promover o acolhimento dos mais novos e o apreço pelos mais idosos. João Paulo II, com a fragilidade visível do seu corpo, era aconselhado a afastar-se. Ficou até ao fim. As suas palavras já não se entendiam. Tornou-se então, mais eloquente o exemplo de vida, o sentido do dever, a aceitação positiva e valorizada das suas limitações físicas. O valor de uma vida não é fruto do muito ou pouco que se faz, mas da postura pessoal frente ao dever de ser e de agir.