Anselmo Borges
Passou despercebido entre nós, mas foi um acontecimento importante, a ponto de ter sido objecto de crítica por parte do Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita.
Refiro-me ao Sínodo dos Bispos para a Médio Oriente, que teve lugar no Vaticano de 10 a 24 de Outubro passado. Participaram 185 Bispos, do Médio Oriente e da África do Norte e do Leste, onde os cristãos vivem entre a maioria muçulmana e judeus. Houve representantes das Igrejas ortodoxas e comunidades evangélicas, bem como convidados hebreus e muçulmanos. Os cristãos no Médio Oriente são apenas 1,6%, com tendência a diminuir - teme-se mesmo o seu lento desaparecimento -, por causa da situação político-social.
Logo na primeira sessão, o patriarca de Alexandria dos Coptas, A. Naguib, referiu que nos Territórios Palestinianos a vida é "muito difícil, por vezes insustentável", e que a situação dos cristãos é muito delicada. Lamentou que a política mundial "não tome em consideração suficiente a situação trágica dos cristãos no Iraque". No quadro da expansão do islão político, a partir de 1970, referiu que ele "deseja impor um modo de vida islâmico a todos os cidadãos, por vezes com violência". Evidentemente, o islão não é uniforme e as dificuldades surgem do facto de os muçulmanos "não distinguirem entre religião e política". E afirmou: "Os cristãos sentem-se cidadãos de segunda e precisamos de um reconhecimento que passe da tolerância à justiça e à igualdade, baseado na cidadania, na liberdade religiosa e nos direitos humanos."
Foi particularmente notada a mensagem final do Sínodo, onde se desenha um grande projecto para o Médio Oriente, fazendo apelo à comunidade internacional e em especial às Nações Unidas, para que, mediante a aplicação das resoluções do Conselho de Segurança, se ponha fim à ocupação israelita dos "diferentes territórios árabes", e exprimindo a esperança de que se torne realidade a solução de "dois povos, dois Estados" para israelitas e palestinianos.
"Os cidadãos dos países do Médio Oriente apelam à comunidade internacional, em particular à ONU, para que trabalhe sinceramente numa solução de paz justa e definitiva na região, e isto através da aplicação das resoluções do Conselho de Segurança e da adopção das medidas jurídicas necessárias para pôr fim à ocupação dos diferentes territórios árabes." "O povo palestiniano poderá assim ter uma pátria independente e soberana e viver ali na dignidade e na estabilidade. O Estado de Israel poderá gozar de paz e de segurança dentro das fronteiras internacionalmente reconhecidas. A Cidade Santa de Jerusalém poderá encontrar o estatuto justo que respeitará o seu carácter particular, a sua santidade, o seu património religioso para cada uma das três religiões: hebraica, cristã e muçulmana. Esperamos que a solução dos dois Estados se torne realidade e não permaneça um simples sonho."
O Iraque poderá pôr termo às "consequências da guerra assassina" e restabelecer a segurança para todos os cidadãos. O Líbano poderá "gozar da sua soberania em todo o território, fortificar a unidade nacional" e continuar a ser modelo de convivência entre cristãos e muçulmanos.
Os bispos condenam "a violência e o terrorismo, seja qual for a sua origem, e todo o extremismo religioso", bem como "toda a forma de racismo, o antisemitismo, o anticristianismo e a islamofobia".
No contexto da "cooperação e diálogo com os nossos concidadãos judeus", a mensagem refere as nossas raízes comuns - o Antigo Testamento e Abraão -, apelando, pois, para o empenhamento comum por uma "paz sincera, justa e definitiva" e advertindo que não é permitido recorrer a posições teológicas bíblicas como "instrumento para justificar injustiças".
Esta cooperação e diálogo estendem-se do mesmo modo aos concidadãos muçulmanos: "Trabalharemos juntos para promover a justiça, a paz, os direitos humanos; é nosso dever educar os crentes para o diálogo inter-religioso, a aceitação do pluralismo, o respeito e a estima mútua."