Por António Marcelino
Passados quase quarenta anos da Revolução de Abril, ultrapassados os tempos do PREC, uma Constituição que oficializa a democracia participativa, o país integrado na União Europeia, as universidades a formarem novas gerações de licenciados, mestres e doutores, uma coexistência dos partidos políticos normal num país latino, as relações entre o Estado e as instituições civis normalizadas, o povo e os cidadãos com direito a opinar e participar livremente, ouve-se, agora, a torto e a direito, gente séria e sensata a perguntar-se se ainda estamos num país democrático ou a ser empurrados para uma empobrecedora e injusta estatização. Isto acontece sempre que não está bem clarificada e assumida a cultura democrática e o governo se encosta a políticos e doutores, mais presos a ideologias e interesses do que à promoção do bem comum, do bem dos indivíduos e do livro exercício das instituições fundamentais, dos Direitos Humanos e da própria Constituição, quando é lida e interpretada sem preconceitos.
As descriminações multiplicam-se, camufladas ou às claras, no campo do trabalho, no exercício da justiça, no acesso a empregos e cargos públicos, nos cuidados de saúde, nos negócios autárquicos, na distribuição dos dinheiros públicos, na educação e no ensino privado. Decisões arbitrárias recentes do Governo descriminam, mais uma vez de modo grave, as escolas privadas com contrato de associação, espalhadas por todo o país, com projecto educativo próprio e orientação própria, que ministram ensino gratuito a todos o seus alunos. E não faltam apoios a esta descriminação por gente do sistema.
Vital Moreira, político com um percurso político bem conhecido – deputado pelo PCP de 1976 a 1983, pelo PS de 1995 a 1999, e agora no Parlamento Europeu pelo PS – foi sempre um visceral opositor das escolas privadas, e escreveu em 4 de Novembro no seu blogue: “Só foi pena ter sido necessário uma crise para pôr fim à captura do Estado pelo poderoso lobby do ensino privado”. Assim aprecia e apadrinha as medidas discricionárias, antidemocráticas e eminentemente injustas do governo socialista.
Vital Moreira é um bairradino do concelho da Anadia, nascido em 1944.
Por esses tempos e nos seguintes, nos concelhos de Anadia, Oliveira do Bairro, Mealhada e Cantanhede, não havia escolas oficiais para além do ensino básico. Assim, na maior parte do país interior, fora das cidades capitais do distrito, foram, então, as escolas nascidas da iniciativa privada que permitiram que os filhos de gente modesta pudessem estudar e ir até à universidade. Não sei se Vital Moreira foi ou não um destes alunos. Ali ao lado da sua terra, Frei Gil Alferes, também ele um bairradino, preocupado com o evoluir do seu povo, padre por inteiro dedicado aos pobres, fundou o Instituto de Promoção Social da Bairrada, uma escola por onde vêm passando milhares de alunos, ao tempo filhos de famílias de poucos rendimentos. Esta benemerência ao país, que enraizou com muitas dificuldades e muitos êxitos, só foi perturbada pela ignorância facciosa dos iconoclastas do PREC.
Vital Moreira sabe bem que não existe nem nunca existiu o lobby do ensino privado, muito menos formado por escolas, que, durante décadas, nunca contaram com qualquer apoio financeiro do Estado, mas viviam e agiam com o saber de voluntários generosos como o médico, o padre, o professor primário e outros cidadãos locais mais preparados. Por que teima ele e a gente responsável da FENPROF em continuar a falar de um ensino de elite e do seu peso injusto no erário público? Não é por ignorância, mas por paixão estatizante.
O contrato de associação veio bem mais tarde e só tem poupado ao Estado dinheiro e problemas. Seria bom saber o que custa um aluno da escola privada e um aluno da escola estatal do mesmo grau do ensino. O primeiro custa ao Estado pouco mais de metade do que custa o segundo. Se agora a revisão do contrato é exigida pela crise, nunca se pode fazer unilateralmente. Dialogue-se e ouçam-se as associações representativas do ensino privado, nunca à margem destas.
Não foram as escolas privadas que levaram o país à crise, mas não se recusarão a ajudar a superá-la, se todos se empenharem por igual. O ensino privado não tem um lugar supletivo no país. Ele é necessário para um confronto estimulante, é um serviço público com lugar de pleno direito num país democrático. Vital Moreira bem o sabe, ou deve saber, mas nas suas tergiversações políticas, não ousou quebrar as amarras da ideologia que o sustenta e ao seu público.