Os ténis
Mª Donzília Almeida
O dia amanhecera cinzento. O plúmbeo céu abatia-se sobre aquela povoação, criando nas pessoas uma vaga sensação de opressão. Uma brisa fresca sacudia a copa das árvores que ramalhavam num movimento contínuo. No chão rodopiavam as folhas caídas, que estralejavam à passagem da pequenada.
E assim se abriu a escola, nesse dia outonal, para mais um dia pleno de actividades. As crianças, cheias de vivacidade e energia, corriam e saltavam, indiferentes àquelas condições meteorológicas. Quaisquer que sejam, não falta alegria, nem boa disposição nas suas vidas. Para elas, viver é sempre um acto de grande prazer, contrariamente aos adultos que até pelo tempo se deixam influenciar.
Dirigiram-se para a sala, alunos e professora, para mais uma aula, que prometia muita actividade.
Nesse dia, a jovem professora tinha um aspecto diferente. Um véu de tristeza toldava-lhe o rosto, como se o cinzento do céu nele se tivesse espelhado. Problemas pessoais? O professor também é humano e nem sempre consegue libertar-se deles. A carga de responsabilidades que o sistema lhe impõe, contrariando o mundo de sonhos e ilusões que a haviam feito abraçar esta profissão? Certamente não esperara a caterva de tarefas e actividades, que desempenha no seu dia-a-dia. O que mais a intrigara logo que tomou posse, foi a existência de aulas de substituição e a nova classe de professores – os substitutos! No feminino a palavra ganha uma nova abrangência semântica... Sim, por todo o país proliferam estas criaturas! Em suma, o que constatara com amargura, é que se tratava de uma profissão em que fizera um grande investimento, para tão pouco reconhecimento.
A aula decorria ao seu ritmo normal, apesar de estes pensamentos lúgubres aflorarem à mente da professora.
Os alunos tagarelavam enquanto iam fazendo o trabalho escrito. A professora ia percorrendo as coxias, corrigindo aqui, incentivando ali, admoestando acolá.
Tudo corria normalmente, mas havia um aluno que parecia um pouco excitado. Conhecia-o bem, era um aluno empenhado e que cumpria as tarefas da aula com interesse e devoção. Nesse dia, uma alegria intensa transbordava do seu rosto de menino. Contagiada por semelhante disposição a professora resolve interpelar o garoto: - Que se passa Hugo, estás tão contente?
-Sabe, Srª Professora! Trago uns ténis novos que a minha mãe me comprou!
A professora regozijou com aquela felicidade tão genuína, ainda p’ra mais sabendo ela das condições sócio-económicas tão humildes daquele aluno. E pensou lá com os seus botões: - Há tantas crianças que menosprezam aquilo que recebem dos pais, a quem nada satisfaz e outras como o Hugo, a quem um par de ténis torna tão satisfeito.
Bastam pequenas coisas para nos fazerem felizes!
O Hugo tinha a chave da felicidade!
6.10.10