Verdade e honestidade na política
António Marcelino
«É preciso dignificar a acção política e aqueles que a tomam a sério. Mas este objectivo só é possível quando neste campo há gente que preza a sua dignidade, a sua palavra e está mais pronta a aceitar até os erros cometidos, que a desvirtuar a realidade. Gente honesta, capaz de escutar a todos e de se renovar interiormente. Gente que não se rodeia de quem a tudo diz lhe que sim, porque, para ela, agradar ao chefe é mais importante e rentável que servir a comunidade.»
Uma investigadora, professora numa das nossas universidades, diz ter chegado à conclusão nos seus estudos, de que hoje os partidos políticos são empresas. Já sabíamos isso em relação aos grandes clubes de futebol. Nesta perspectiva, muitas coisas e atitudes se tornam de mais fácil compreensão. A ser assim, a subversão do interesse nacional é inevitável. E parece que é isso mesmo que está a acontecer.
Um das situações mais incómodas para o cidadão que quer viver num país digno, de modo digno e livre, é verificar que o mundo da política partidária, que dizem ser a garantia da democracia, está pejado de gente para a qual a verdade objectiva e o respeito nas relações humanas e sociais, bem como a honestidade e a vergonha nos comportamentos, estão perdendo todo o sentido. Nem sei como sobrevivem ainda os que, em tal mundo, sentem o dever de lutar para que o país ande para a frente, as pessoas contem mais que os interesses, a verdade não seja submersa por manobras, o bem comum continue a ser a razão e o motor de quem é chamado e aceita servir a comunidade, um país de todos e não um feudo só de alguns.
É bom não nos deixarmos contaminar e influenciar por coisas que nos chegam todos os dias, mais ou menos anónimas, com casos e notícias chocantes. Basta estar atento, escutar e observar o que se passa, confrontar as decisões tomadas e as propostas feitas, ligar o ontem ao hoje, perceber os gritos de dor, gritados e não gritados, para se ver a teia das mentiras, dos desvios programados, dos interesses ocultos, das manobras realizadas, das influências, claras e escondidas, junto dos meios de comunicação social, esses mesmos onde se mata e se ressuscita, se insinua e se afirma, se negam e se calam evidências, onde não falta gente, presa pela trela, que tanto manqueja, como dança ao sabor de qualquer música.
Tudo isto tem uma influência enorme na anestesia da inteligência e da vontade, na responsabilidade e na participação, na alteração da realidade e, por isso mesmo, no pessimismo que alastra, nos comportamentos pessoais e colectivos, nas aspirações e nos projectos, nas relações sociais e nos deveres de uma responsável cidadania. Quando não se acredita em quem decide, se esbarra com o inexplicável e se vêem compadrios escandalosos, até o que se faz acertado, acaba por deixar dúvidas.
Toda a actividade humana exige valores morais e éticos de referência. Por isso mesmo e para fugir a um normal constrangimento, alguns dos intervenientes políticos negam a necessidade e a universalidade destes valores. Defendem-se mais as atitudes de conveniência, sempre fáceis e substituíveis, ou então fala-se de princípios, porque são sempre mais adaptáveis às circunstâncias, aos interesses e aos gostos.
É preciso dignificar a acção política e aqueles que a tomam a sério. Mas este objectivo só é possível quando neste campo há gente que preza a sua dignidade, a sua palavra e está mais pronta a aceitar até os erros cometidos, que a desvirtuar a realidade. Gente honesta, capaz de escutar a todos e de se renovar interiormente. Gente que não se rodeia de quem a tudo diz lhe que sim, porque, para ela, agradar ao chefe é mais importante e rentável que servir a comunidade.