terça-feira, 10 de agosto de 2010

Gente da Nossa Terra: Mário Retinto

Mário Cardoso

Doença pulmonar abre-lhe as portas ao estudo

Mário Cardoso, mais conhecido por Mário Retinto, 79 anos, casado, quatro filhos e seis netos, foi, desde muito jovem, um membro activo da nossa comunidade.
Primogénito de uma família numerosa, com 16 filhos, 12 dos quais ainda vivos, entrou no mundo do trabalho muito novo, e aos 16 anos assumiu a presidência da JOC (Juventude Operária Católica), depois do casamento do presidente, António Pata, «uma excelente pessoa», que, de algum modo, o marcou para a vida.
Aos 18 anos foi conhecer, como ajudante de motorista, a faina da pesca do bacalhau, no velho Santa Joana, e aos 20 concorreu para a Escola de Aviação Naval Almirante Gago Coutinho, como serralheiro. E foi aqui, durante 11 anos, que conheceu profissionais muito competentes, distinguindo um, Joaquim Bernardo, pela sua cordialidade e integridade.
A passagem pela Acção Católica, desde a pré-JOC, contribuiu para a sua formação cívica, religiosa e humana. «A JOC, em tempos de proibição dos sindicatos livres, foi um movimento que, de certa maneira, desenvolveu entre os seus filiados a consciência sindical operária», disse. E acrescenta: «Com o 25 de Abril, os membros da Acção Católica dispersaram-se e muitas deles envolveram-se no sindicalismo, com as bases que colheram nos organismos em que militavam.»
Por toda a formação que recebeu, o nosso entrevistado não descarta, ainda agora, a hipótese da reorganização deste movimento, a nível nacional, cujos princípios se apoiam no método “Ver, Julgar e Agir”, que leva à intervenção nos ambientes de trabalho, nas famílias e na sociedade em geral.
Mário Retinto recorda os tempos em que uma lesão pulmonar o atirou para a cama, aos 21 anos, durante dois anos e meio, um dos quais foi vivido num sanatório do Caramulo. Curiosamente, em vez de se lamentar, sublinha que a sua permanência naquela estância de cura, famosa na época, acabou por ter um saldo positivo.


Foi aí que conheceu pessoas que o estimularam a estudar, recebeu delas explicações de Física, Matemática e de Português, e, como aluno externo, fez o Curso Industrial e a secção preparatória para o Instituto Industrial.
Os estudos feitos levaram-no a Director de Fabrico e de Manutenção, durante 15 anos, na Indústria Cerâmica, em Coimbra, e no regresso à Gafanha da Nazaré exerceu dois mandatos de Presidente da Junta de Freguesia, cargo que cumpriu com elevado sentido de responsabilidade e de doação.
Aceitou, naturalmente, o 25 de Abril, na esperança de que a democracia, o desenvolvimento e a justiça social fossem implementados entre nós. E olhando para as realidades actuais, lamenta que não se tenha chegado onde tantos sonharam. E questiona-se: «Se uma pessoa quer trabalhar e não tem onde, nem tem dinheiro para o essencial, acha que isto é democracia?; Uma pessoa quer educar os filhos e não tem meios para isso, acha que isto é desenvolvimento?»
Não negando a importância de Portugal estar na UE, Mário Retinto chama a atenção para o estado a que chegou a nossa frota pesqueira. «Na altura da entrada na UE, havia 50 arrastões de pesca, e quase todos foram abatidos, esquecendo-se os nossos políticos que cada navio tinha 60 tripulantes, o que corresponderia a 60 famílias. Depois havia as secas, (A Empresa de Pesca de Aveiro chegou a ter centenas de mulheres nas secas), as oficinas e o comércio que vivia de todo este movimento». E a culpa de quem foi? «Dos nossos políticos, que não souberam defender os interesses do povo português», respondeu firme e convictamente.

É urgente uma reforma de alto a baixo

Um pouco decepcionado com a sociedade em que vivemos, que considera egoísta e onde falta honestidade e respeito pelo próximo, Mário Cardoso clama, na entrevista que nos concedeu, a necessidade de «uma reforma muitíssimo grande e de alto a baixo», a todos os níveis.
Sobre a Justiça, diz que «precisamos de saber com o que é que podemos contar, para que os processos não andem embrulhados anos e anos». Lembra que «há sempre leis novas, decisões novas e interpretações que arrastam os processos até à prescrição», sendo urgente elaborar «leis simples que toda a gente perceba».
Considera que faz falta uma Justiça célere e não compreende «o protagonismo dos seus agentes», até porque — adianta — «o trabalho de quem julga requer muito recato, coisa que se vê pouco».

Fernando Martins

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