quinta-feira, 8 de julho de 2010

Tudo descartável, tudo rápido, tudo sem incomodar



Trilogia dos tempos modernos

António Marcelino

«A educação, processo relacional, visa o crescimento harmónico da pessoa e capacita-a para a vida em sociedade. Se tal processo estiver viciado, nem teremos pessoas equilibradas e responsáveis, nem sociedade humana apetecível. Teremos uma geração de caídos nas valetas da vida e uma sociedade de inúteis perigosos, quando não de feras, que matam para poder roer o seu osso.»


Há anos um bispo americano, ao fazer o diagnóstico dos tempos que vivemos, disse, com certo humor, que há três coisas que traduzem os símbolos de um cultura que prima pela sua debilidade: as fraldas, o microondas e a aspirina.
E explica: as fraldas descartáveis, que só se usam uma vez, hoje servem e amanhã não prestam, são como os produtos, as ideias e os valores e dizem que o que dura não presta; o microondas marca o efeito instantâneo e a rapidez, dispensa a paciência e despreza o tempo, não dá gosto aos alimentos, nem os confeciona, tudo feito à pressão, tudo com o mesmo gosto; finalmente, a aspirina e os seus congéneres são a recusa de todo o incómodo, seja uma simples dor de cabeça ou outra dor que apenas se sonha, faz parte da embalagem do quotidiano, não se pode esquecer em casa, pois esquecer seria o caos.
Tudo descartável, tudo rápido, tudo sem incomodar, como se o compromisso duradoiro, a maturidade paciente e a capacidade nas dificuldades, fossem pobreza de espírito, atitudes antipáticas e desumanas a exorcizar. O jovem traduz assim: “Tudo numa boa!”
Se é verdade que estes caminhos do tempo que corre fascinam a gente nova, é também verdade que se torna cada vez mais significativo o número de jovens que se demarcam do vazio reinante e lutam pela riqueza de uma vida com sentido.
Mais fácil de tombar para um ou para outro lado, consoante os educadores que se encontram pelo caminho, os pais, atentos ou não, persuasivos ou impositivos, os colegas vazios ou com um ideal que os orienta em cada dia e acontecimento... Os modelos de vida de hoje, tanto são propostas que anestesiam e desviam, como acordam e impulsionam. Por igual, o ambiente que nos cerca não é inócuo, nem sequer indiferente.
O problema será sempre maior quando os adultos perdem o pé e optam, também eles, por andarem ao sabor do vento das emoções, sem capacidade para dominar as suas tempestades interiores, sem serem a mão amiga que indica caminho e ajuda a caminhar.
Os jovens não voltam costas aos adultos em geral. Somente àqueles que se disfarçam de jovens e fazem do Carnaval o seu dia a dia, aqueles para quem vale tudo e nada vale a pena. Aos jovens que procuram desculpa-se muita coisa. Aos adultos, o verbo a conjugar não é desculpar, mas exigir. Sem as intransigências farisaicas de quem perdeu a memória, por certo, mas sem esquecer que a responsabilidade é sinónimo de adultez e esta anda, quer se queira ou não, ligada ao tempo vivido e ao modo como se viveu.
O comportamento de cada um e as relações interpessoais não são pedaços da vida sem nexo nem cotação. São o tecido natural da própria vida. Tanto a constroem, como a debilitam ou destroem.
A educação, processo relacional, visa o crescimento harmónico da pessoa e capacita-a para a vida em sociedade. Se tal processo estiver viciado, nem teremos pessoas equilibradas e responsáveis, nem sociedade humana apetecível. Teremos uma geração de caídos nas valetas da vida e uma sociedade de inúteis perigosos, quando não de feras, que matam para poder roer o seu osso.
É o que está acontecendo por força de uma pós-modernidade arvorada em sistema de vida, impulsionada por quem há muito deixou de usar a cabeça para ponderar e decidir, por quem pôs de lado o coração sensível ao bem próprio e dos outros.
Os tempos modernos, também ricos de oportunidades e reveladores de possibilidades, parece transformarem-se em tempos de pesadelo em que, por vezes, até o melhor é caminho para o pior. Os seus frutos vendem papel e conquistam audiências, mas matam vontades, anestesiam consciências e semeiam desordem moral e social.
Pode colher-se neles a esperança séria de um futuro consistente que todos levamos no coração? Esse futuro que todos nós temos, solidariamente, que criar ou recriar?

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