PELO QUINTAL ALÉM – 29
A AMEIXIEIRA
A
António da Luz,
Manuel Augusto e Isaura
Caríssima/o:
a. Pensando um pouco nem sei bem quantas ameixieiras há no quintal; há ameixas santa rosa, golden japan, amarelas umas, outras vermelhas e também abrunhos, esses mesmo, azuis. Nesta altura é uma fartura e os primeiros a regalarem-se são os pardais e os melros, mas sempre ficam suficientes para nos deliciarmos e distribuirmos por filhos e vizinhos. Por vezes, a apanha complica-se pois, para além do escadote e da escada, ainda se recorre à ladra. Depois é preciso estar com atenção nas crianças para não haver excessos a engolir: para além dos caroços outras consequências poderão estar a caminho.
e. Nos nossos tempos de meninos e moços lá aparecia um ou outro abrunheiro e em algumas ruas de Aveiro a tentação era grande quando começavam a aparecer umas bolitas rosadas ali mesmo à mão de ...pegar, nas árvores de alguns passeios.
Como todos sabemos, fruta era rara... os terrenos eram pequenos para a batata, o milho e a horta, tudo bem aproveitado... Não admira que houvesse muitos frutos proibidos.
i. Quanto à utilidade desta árvore, temos conversado. Podemos encontrar quem nos fale da sua madeira (leve, compacta, elástica, fácil de trabalhar), mas ninguém olha para ela com esses olhos (a não ser um primo ali do Bunheiro que aproveitava tudo o que era árvore... um dia falaremos dele que tem muito para nos ensinar!).
Em todo o caso e, embora a ameixa seja uma fruta macia, só é boa para o consumo enquanto está firme, com aparência fresca e cor viva, sem partes moles, manchadas ou machucadas. Para que a ameixa se conserve em bom estado por vários dias, guarde-se em saco plástico na gaveta da geladeira sem lavar; lavar apenas na hora em que for consumida.
o. As ameixas são também um alimento culinário, isto é, podem ser usadas para conserva, geleia e doces...
Para além de outras e importantes propriedades, sempre ouvi exaltar as laxativas: convém aos intestinos preguiçosos. Mesmo crianças pequenas podem beneficiar da "água da ameixa" em caso de prisão de ventre.
(Para quem estiver interessado pode acrescentar-se: Médicos afirmam que a ameixa fresca é um magnífico agente terapêutico contra ... o reumatismo, a artrite, a gota; a arteriosclerose, a nefrite etc; ácidos e/ou gorduras originados por uma alimentação excessiva, à base de proteínas, gorduras saturadas e colesterol... A ameixa fresca é indicada contra as hemorróidas e a hipocondria. Diurética como é, recomenda-se contra as afecções de carácter inflamatório das vias urinarias. É, ainda, "desobstruente" do fígado, "depurativa" do sangue e "desintoxicante" do aparelho digestivo, pelo que se emprega com êxito nas afecções febris do estômago e do intestino. No tratamento das afecções das vias respiratórias: anginas, catarros, etc...)
U. Curiosidades:
1. A ameixa considera-se oriunda das terras do baixo Danúbio, da Pérsia, da Arménia e do Cáucaso. Através dos gregos e dos romanos, as ameixas chegaram até nós, embora os romanos só as cultivassem mais tarde. Diz-se que em 812, Carlos Magno, mandou plantar ameixeiras, de diversas espécies, nas suas propriedades imperiais.
2. No Japão é muito usado o "umeboshi", que é a ameixa salgada em conserva. A Califórnia é a principal região produtora de ameixa. Na América do Sul, os maiores produtores são a Argentina e o Chile.
3. A lenda de hoje é japonesa; é possível que, quando acabarmos de a ler, os nossos olhos estejam em bico.
“Voa o papel
Junto às flores de ameixeira –
Primavera dos deuses.
Ao vislumbrar uma ameixeira no santuário de Ise, Moritake, ele mesmo sacerdote xintoísta, ter-se-ia lembrado da curiosa lenda da Ameixeira Voadora (tobi-ume). Sugawara-no-Michizane (845–903), intelectual e político, foi desterrado por causa de falsas acusações. Havia, no jardim da sua casa, uma ameixeira que ele muito amava e à qual dedicou um poema de despedida: “Ao soprar o vento leste,/ Exalem seu perfume,/ Oh, flores da ameixeira!/ Mesmo longe de seu mestre,/ Não se esqueçam da primavera.” Diz a lenda que a ameixeira voou de Quioto até Dazaifu (actual Fukuoka) para reencontrar o seu dono.
(No haicai de Moritake, a expressão “primavera dos deuses” (kami no haru) denota o início da estação em um santuário xintoísta. Também há o recurso ao trocadilho, no qual a palavra kami pode ser lida como “deus” ou “papel”. Assim, a imagem da ameixeira que voa conduz à ideia da leveza (karogaroshiku) das folhas de papel (kami) que o vento traz junto com as flores, ou à leveza da própria primavera que chega ao santuário por obra dos deuses. O haicai sustenta-se por este trocadilho, servindo como um modelo das técnicas da época.)”
4. Nos calabouços da Inquisição, António Serrão de Castro, séc. XVII, escreveu:
Onze vezes de folhas revestida
Onze vezes de frutos carregada
Onze vezes de flores adornada
Te vi, Ameixeira, aqui nascida.
Outras tantas também te vi despida
De folhas, flores, frutos despojada
Pelo vigor do inverno saqueada,
E a um seco tronco reduzida.
Também a mim me vi já revestido
De folhas, flores, frutos adornado,
De amigos e parentes assistido
De todos eis-me aqui tão desprezado,
Mas tu virás a ter o que hás perdido
E eu não terei jamais meu antigo estado.
Manuel