Autoridade e serviço, um binómio difícil de conjugar
António Marcelino
A linguagem corrente traduz autoridade por poder e domínio sobre os outros. O povo até diz que “quem tem a autoridade, tem o poder na mão”. Deste modo, pretende significar que “o senhor” pode fazer tudo o que quer e que só não o faz se não quer.
Este conceito generalizou-se e parece que já ninguém concebe a autoridade de outra maneira ou com outro sentido. É o dito terrível, mortífero e injusto que por aí se vê proclamar e sem apelo: “Eu é que sei… Eu é que mando!”
A tentação do poder sente-se na política, na religião, na família, na escola, na empresa. Onde quer que se encontre alguém que tenha orgulho de ter outro ou outros sob o seu domínio e em quem mande, aí a tentação de não deixar que se respire e viva à sua volta.
O facto de se fazerem campanhas cegas e aguerridas, como acontece no mundo da política, para conquistar o poder, concorre, uma vez conquistado, para que se pense e se mande, de modo arbitrário e absoluto, sem ouvir nem dar contas do que se faz ou não faz, e do modo como se faz. À medida, porém, que se ganha consciência democrática e de cidadania, surgem leis a dizer que o poder público não é nem pode ser ilimitado e caprichoso, mas tem de estar próximo das pessoas, orientar-se para o bem comum e dele se dar conta, sempre sujeito a ser apreciado e julgado.
Os políticos pensam que este julgamento apenas se faz nas eleições e dizem isso com frequência. Negam-se por isso a receber lições ou advertências de quem quer que seja. Eles são quem manda. Neste contexto, ganha campo a tirania das maiorias e, à luz destas, se subverte todo o sentido da autoridade, pois que esta nunca se engana, tem sempre razão, orienta a vida como se tudo o que decide e faz fosse sempre o melhor para o povo. No poder ou na oposição, a tentação é real, permanente e de muitos.
Na Igreja também existe a tentação do poder. Faz com que uns andem em bicos dos pés ou colados aos chefes, e outros calados mas sempre a espreitar a sua oportunidade.
Está bem claro que toda a autoridade, onde quer que se exerça, só se pode traduzir por serviço. A verdade é que as categorias profanas entraram no agir de muita gente que se esquece de que, na Igreja, a hierarquia, que se traduz por poder sagrado, só se justifica como serviço, sempre a visar a construção do Reino de Deus e o bem da comunidade. Nunca como uma aquisição pessoal, com tiques de autoritarismo e de honras.
Recentemente, Bento XVI, ao denunciar, mais uma vez, a tentação do “carreirismo” que leva ao poder à base de influências, próprias ou alheias, com indícios de um maléfico nepotismo, ou de se pensar o poder como conquista pessoal, insistiu que, na Igreja, autoridade e hierarquia são, sempre e só, uma expressão de serviço.
A atitude de serviço nunca permite um poder pessoal arbitrário, como se a nomeação, quando o cargo envolve exercício de autoridade, fizesse do seu detentor dono do que quer que seja ou de quem quer que seja. Ninguém é, nem pode ser, dono de alguém
Um mistura triste do sagrado e do profano, com o poder civil a invadir o templo, levou, historicamente, a situações anómalas e a desvios que perduraram nas pessoas e nas comunidades, como um modo de aceder e exercer a autoridade, alheio ao Evangelho.
A autoridade, como serviço, não abafa as pessoas, fá-las crescer. Não visa o bem próprio, procura realizar o bem comum. Não impede nem dificulta a liberdade de opinião e de acção, fomenta-a. Não é fruição de um poder, mas serviço pedido e confiado a pessoas, honestas e competentes, inteligentes e dialogantes.
Na Igreja não há promoções em ordem a uma progressão na carreira. Há escolha sensata e apelo directo a pessoas para a realização de um serviço fundamental à comunidade. Há o eco permanente da palavra de Jesus Cristo que disse não ter vindo para ser servido, mas para servir e dar a vida por todos. Este o código que rege todo o exercício do poder.