Católico e questões fracturantes
Anselmo Borges
1. Quanto à interrupção voluntária da gravidez, 57, 9% dos portugueses concordam com a decisão de 2007, sendo a maioria dos católicos (54, 6%) igualmente favorável.
Julgo que seria preciso perguntar se também concordam com que as mulheres que abortam não paguem taxa moderadora e façam dois abortos num ano. Estou à vontade, pois, na altura, pronunciei-me a favor da descriminalização.
2. Quanto ao uso de contraceptivos, os portugueses são claros: 95, 8% concordam; entre os católicos, a percentagem é semelhante: 95, 4% também concordam.
Estes números deveriam obrigar a hierarquia a pensar. Precisa-se na Igreja de uma reflexão profunda para uma nova atitude face à sexualidade. Não é sustentável um discurso sobre a sexualidade baseado numa concepção exclusivamente biológica da natureza, porque o ser humano é racional e autónomo.
3. Sobre o casamento gay - na altura, o Presidente ainda poderia vetar a lei -, revelou-se que 51, 8% dos portugueses não concordam, aumentando o número para 57, 3% entre os católicos. Quanto à adopção de crianças por casais do mesmo sexo, 68, 1% responderam não; entre os católicos, 72, 8%.
Estou convicto de que se, em vez de casamento, se tivesse encontrado outra palavra, a percentagem seria diferente. Afinal, a maior parte dos portugueses manifesta a opinião de que, se não se pode tratar o igual como diferente, também não é bom tratar o diferente como igual.
4. Significativamente, 59, 7% dos inquiridos pensam que a lei portuguesa deveria permitir que doentes incuráveis e em situações clínicas dolorosas terminais possam pôr fim à vida, havendo apenas 27, 6% a não concordar com a eutanásia; a percentagem dos católicos que aceita a eutanásia é de 55, 4%.
Mais tarde ou mais cedo, esta é uma questão que será debatida. Afinal, a vida é dom e não um fardo. O próprio Thomas More, canonizado pela Igreja, levantou o problema na Utopia. Mas será necessário, em tempos de economicismo e de menosprezo pelos velhos e doentes, reflectir bem sobre todas as consequências.
5. Finalmente, a sondagem diz que os portugueses confiam, mas não a cem por cento, nos padres e bispos portugueses. Assim, 52, 7% dos inquiridos responderam que confiavam parcialmente nos padres e 49, 8% também parcialmente nos bispos. Admite-se que os escândalos de pedofilia poderão ser uma das explicações. Seja como for, a sondagem revelava que 42, 2% dos portugueses (entre os católicos, 43, 2%) achavam que o Vaticano não tinha lidado bem com a situação. Note-se que o Papa ainda não tinha tido sobre o tema o pronunciamento forte no avião, a caminho de Lisboa, nem tinha pedido expressa e publicamente perdão numa celebração solene no Vaticano.
Aqui, é necessário, em primeiro lugar, perceber que agora as pessoas são críticas e já não confiam de modo cego. Ainda bem. De qualquer modo, seria muito interessante questioná-las sobre as razões para este distanciamento. Aí, encontraríamos com certeza que reconhecem que há padres e bispos de alto coturno moral, intelectual, espiritual. Mas, depois, também viria a ladainha das queixas, mais ou menos justas. Um estilo de vida burguês e instalado, pouco conforme com o Evangelho. Padres com demasiada idade, obrigados ao ministério. Incapacidade de compreensão do mundo contemporâneo. Falta de preparação em psicologia, sociologia e mesmo teologia. Homilias gagas e vazias. Celebrações que nada têm a ver com o pedido papal para que sejam lugares de beleza. Onde está o testemunho alegre do Evangelho, uma notícia boa e felicitante? Na presente situação de crise, na qual os mais atingidos não são os ricos, porque não há uma palavra iluminante por parte dos bispos?
In DN
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