O Ângelo Ribau acaba de editar um livro — RETALHOS DAS MEMÓRIAS DE UM EX-COMBATENTE. Não é uma daquelas edições que se compram nas livrarias por bom dinheiro e que, quantas vezes!, apetece atirar para o caixote do lixo. É simplesmente um livro para os seus mais íntimos.
Quem conhece o Ângelo sabe que ele sofreu, como tantos outros portugueses, a brutalidade da guerra. Dela fala sempre que a ocasião o proporciona, ao jeito de quem quer afugentar chagas que lhe marcam a alma. E talvez por isso mesmo é que ele escreveu estas páginas, na esperança de que, por esta forma, possa fechar à chave, em baú inviolável, revoltas cravadas na memória como carraças.
Começa este seu trabalho, que acompanhei ao longo do tempo, dirigindo-se «Àqueles que lutaram mas, por eles, nem os sinos dobraram. Tudo à Pátria deram, e dela nada receberam.» E só depois o dedica “Aos seus entes queridos, que sem culpa formada, sofreram como poucos terão sofrido as agruras da Guerra de Angola, sem sequer lá terem estado fisicamente.»
Em Angola, onde lutavam mais dois irmãos, o Ângelo sentiu, na pele e no espírito, a dureza provocada por opções políticas do «orgulhosamente sós», políticas essas que enlutaram famílias sem conta nesta Pátria multissecular.
Não se julgue, porém, que este livro nos vem só com histórias tristes, porque o humor de quando em vez alegrava a malta. Li ou reli, com gosto e com sentido de meditação, as memórias deste amigo que foi à guerra e que pegou nela para nos dizer como se sofre em nome de causas injustas.
Angola, aquela que nos ensinaram na escola como parte integrante de Portugal, está presente em cada página. Povoações nativas e cidades que mudaram de nome, florestas e noites sombrias, Noite de Natal que o trouxe, magicamente, até à Gafanha, para consoar com esposa e filhos e restante família, «na casa do forno», ali perto dos “Muceques”, onde foi «traído pelas lágrimas»
Graças à sua excelente memória, que a guerra terá avivado, o livro foi invadido pelos colegas, soldados, sargentos e oficiais, por tiros e granadas, minas e emboscadas, mas também por mortos que estão ainda vivos dentro de si.
Fotógrafo apaixonado desde a juventude, não podia deixar de nos oferecer os retratos do que via e sentia, a preto e branco, que o seu laboratório portátil não dava para mais. Mas as cores da guerra estão neste seu trabalho, que não está à venda nas livrarias.
Fernando Martins