Gérard David - Bodas de Caná - séc. XVI
O VINHO DA FESTA
A festa de casamento dos noivos acaba de modo feliz. O episódio ocorre em Caná da Galileia. Obedece a um ritual bem definido para celebrar o amor conjugal – sinal publicamente reconhecido do amor de Deus por toda a humanidade. Os protagonistas são o chefe de mesa, os serventes e alguns convidados, dos quais se destaca Maria e seu filho Jesus. Nazaré.
Tudo corre bem, até que Maria dá conta de que o vinho está prestes a faltar. Cheia de solicitude e com muita discrição, comunica-o a Jesus. Após umas palavras de interpelação, Maria diz aos serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser”. E o inesperado acontece: Surge vinho novo em abundância e da melhor qualidade. E a festa cresce de intensidade e de ritmo. A acção de Jesus havia dado um apoio decisivo às carências dos noivos, à busca de soluções dos intervenientes, à alegria dos convivas.
João – o narrador do episódio – regista o facto não apenas pelo seu valor histórico, mas sobretudo pelo seu alcance simbólico. É este alcance que lhe interessa: mostrar a mais valia da presença de Deus no casamento religioso e concretizar esta presença em Jesus Cristo e na sua atenção às situações concretas.
Uma boda de casamento sem vinho é, no nosso contexto sócio-cultural, uma anomalia inaceitável. O normal é que sobre comida e bebida. Mas esse risco ocorre na sociedade e nas comunidades cristãs. Sobretudo na família e no seu núcleo original – o casal heterossexual. E então, surge o vazio que provoca o impasse e semeia o pânico. Nesta situação, o coração humano não se sente bem e tenta encontrar saídas para a penúria e para a crise em que se encontra. São saídas sempre precárias e instáveis.
O vinho de qualidade junta dois elementos preciosos: a água enquanto riqueza natural e a intervenção de Jesus, o amor humano e a graça divina, a pessoa e Deus, o momento e o seu alcance definitivo, o casamento e o sacramento. Junta-os e gera uma unidade tal que constituem uma só realidade.
A vida será uma festa em que o amor estável e fiel dá sentido a tudo o que acontece, quer seja programado pelo casal, quer provenha de surpresas ocorrentes. Amor que brota do coração humano, mas tem a sua fonte em Deus, como o vinho novo de Cana a teve na intervenção de Jesus. Amor que, diariamente, necessita de cultivar a frescura original e irradiar de forma contagiante e apelativa. Amor que desabrocha na valentia da liberdade alicerçada na verdade e na responsabilidade.
Georgino Rocha