De todos os lados - mundo islâmico, ONU, União Europeia, Governo helvético, líderes das comunidades religiosas: judeus, protestantes, católicos - choveram críticas, pois está em causa o direito fundamental à liberdade religiosa. O Vaticano, através do arcebispo Antonio Maria Sveglio, presidente do Conselho Pontifício para as Migrações, condenou: "Não vejo como se pode travar a liberdade religiosa de uma minoria ou impedir um grupo de pessoas de ter a sua igreja"; e, referindo-se indirectamente às perseguições e limitações da liberdade dos cristãos nalguns países islâmicos, acrescentou: "Há um sentimento de aversão e medo, mas um cristão deve saber ultrapassar isso, mesmo se não tem reciprocidade." O secretário da Conferência Episcopal Suíça declarou que o resultado é "um duro golpe contra a liberdade religiosa e a integração". Na mesma linha se pronunciou a Federação das Igrejas Protestantes da Suíça: trata-se de "um atentado às liberdades fundamentais", que só pode causar novas tensões sociais.
A islamofobia aumentou depois dos atentados terroristas levados a cabo na Europa por muçulmanos radicais. Há hoje um receio latente da islamização da sociedade europeia, sobretudo quando se pensa nos próximos desequilíbrios demográficos. Não admira, pois, que políticos da direita em França, Holanda, Dinamarca, Áustria, Bélgica, Itália, tenham exultado. A própria Angela Merkel considerou que esta vitória deve ser tomada em conta e "levada a sério".
Neste contexto, é de sublinhar a declaração do presidente da Conferência Episcopal Alemã, aliás na linha do Vaticano quanto à reciprocidade - é sabido, por exemplo, que na Arábia Saudita não é permitida a construção de uma igreja cristã: "É justamente porque nós, cristãos, recusamos e condenamos as restrições à liberdade religiosa impostas em países muçulmanos que devemos não só socorrer os cristãos que lá haja, mas intervir igualmente a favor dos direitos dos muçulmanos que cá estão."
Quem porá em causa este princípio? Mas, por outro lado, será que ele se opõe à legitimidade e sensatez de levantar a questão da reciprocidade, concretamente no contexto de um mundo global?
É claro para qualquer crente reflexivo que o fundamentalismo religioso só pode ser sinal de medo, de insegurança, de ignorância e estupidez: sim, está-se no Fundamento, mas quem é o ser humano, finito, para possuir e dominar o Fundamento?
A paz entre as religiões só pode assentar na mística e na ética. Lembre-se aquele aforismo da sabedoria islâmica sufi: "Um dia visito uma igreja; outro, uma mesquita. Caminhando de templo em templo, só Te procuro a Ti." E Jesus disse à Samaritana: "Acredita em mim, mulher: aproxima-se a hora, e é agora, em que os verdadeiros adoradores não adorarão o Pai nem no Monte Garizim nem no Templo de Jerusalém, mas em espírito e verdade."
O verdadeiro templo não foi construído por mãos humanas. O templo autêntico de Deus é o ser humano, todo o ser humano. Por isso, a prova de fogo da verdade de uma religião é o seu compromisso em favor da justiça e da dignidade humana.
Na prática, em ordem à paz, há ainda outros princípios. Em primeiro lugar, a separação da Igreja e do Estado, devendo este ser neutro do ponto de vista confessional, precisamente para garantir a liberdade religiosa de todos. O outro, contra o literalismo, exige a leitura histórico-crítica dos textos sagrados e a hermenêutica.
Foi com enorme dificuldade que a Igreja católica aceitou estes princípios. O mundo islâmico vai ter ainda mais dificuldade. De facto, enquanto os cristãos sempre falaram da inspiração divina na Bíblia, a maioria dos muçulmanos reclama-se do Alcorão ditado pelo arcanjo Gabriel. Por outro lado, enquanto Jesus entrou em Jerusalém e aí foi morto, ordenando a Pedro que metesse a espada na bainha, Maomé entrou em Meca simultaneamente como líder religioso, político e militar.
Anselmo Borges
In Diário de Notícias de hoje