“Quando se fez ao mar, a nave escura,
Na praia essa mulher ficou chorando,
No doloroso aspecto figurando
A lacrimosa estátua da amargura!”
Assalta-me à memória hoje, com mais acutilância, este excerto do soneto de Gonçalves Crespo, Mater Dolorosa!
Ficou, indelevelmente, gravado na memória, quando em 1966, apareceu na prova escrita do exame de Português, e nunca mais se apagou.
Foi, nos verdes anos, que tive contacto com esta mesma realidade, da separação... da mãe, dos seus entes queridos. A veemência do sentimento maternal, aqui explícito, haveria de marcar-me, para sempre. Senti-o na pele, quando a família foi desmembrada pelo drama da emigração.
Pude vivenciar de perto a dor profunda duma mãe que também, à semelhança daquela que é retratada no soneto, viu partir metade da família para além mar. Tal como na saga dos navegadores portugueses da época dos Descobrimentos, também iam à procura do desconhecido, noutras terras, noutras paragens. Iam, em suma, à procura duma terra prometida.
Não vou descrever aqui, hoje, o drama humano da emigração, que abalou muitas famílias, no século passado. Durante anos, os destinos mais procurados foram o Brasil e a Argentina, que arrebanharam para si muitos chefes de família. Mergulhados no fascínio de um novo destino e absorvidos pela aculturação, abandonaram para sempre os familiares esquecidos, em Portugal. Quando esse chão deixou de dar uvas e a árvore das patacas havia secado nesse países latino-americanos, começou o êxodo para a Europa central - França. Alemanha, Luxemburgo, Suíça... Mais tarde, foi a terra do Tio Sam que exerceu atracção sobre numerosas famílias de todo o mundo, ao qual não escapou o nosso pequeno país, parco de recursos e oportunidades. Ainda não tinham chegado as Novas......!!! Aquele melting pot de etnias várias, aquela mistura explosiva, também contém, na sua amálgama, muito sangue lusitano. E... quem não se lembra dos Luso-Americanos, que, em meados do século passado, invadiam as ruas estreitas da Gafanha, com as suas sumptuosas “banheiras”? Estas entupiam, completamente, a passagem dos carros de vacas, que tinham que se arrumar para a berma das poucas estradas que havia, numa Gafanha rural.
Pois! Foi este espectáculo que presenciou a pessoa que hoje, assinaladamente, evoco e que tanto sofreu com essa partida para os Estados Unidos da América, em 1963. Quase que, num simbólico tributo ao país que deu conforto material à sua família, acolhendo-a no seu seio, foi juntar-se às vítimas do 11 de Setembro de 2001, no ano transacto. Foi assim que transmiti aos amigos, a notícia desta derradeira partida.
Ficou a memória duma pessoa sofrida, em prol da família e que durante anos viveu a dor da separação. A vida que lhe havia sido madrasta, compensou-a durante várias décadas, ainda, com o regresso do marido e pai, que tão arduamente lutou pela subsistência dos filhos.
Fica a memória saudosa de alguém que personificou tal como a heroína do soneto, a intensidade do amor maternal.
Que a sua alma descanse no reino da Glória!
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Mª Donzília Almeida
11.09.09