O RAPAZINHO DO FARNEL
Não estranhes, bom moço, receber uma carta aberta escrita em português corrente. Ainda não aprendi, como os teus colegas, a fazer a “escrita inteligente”. Tenho pena, mas paciência!
Sou um padre que vive à beira-mar, junto do Atlântico. Estou a ficar idoso e, desde muito novo, apreciei o que se diz de ti no Evangelho da multiplicação dos pães, recordas-te?!
São duas coisas que me impressionam muito: o seres novo e o teres procedido daquela maneira. Estou convencido que também foi isto que mais despertou a atenção de quem escreveu aquele episódio. Olha que nem registou o teu nome, nem o dos teus pais, nem da tua terra. Só aquelas duas coisas. Tu, se calhar, gostarias de ser tratado pelo nome, e eu também, porque o nome tinha um significado próprio e dava a conhecer quem nós éramos no sonho de Deus.
Acho interessante que sejas conhecido por “o rapazinho do farnel”. Sabes porquê?! Eu dou-te a minha explicação. Este nome indica a maravilha da tua idade e a grandeza da tua acção. De agora em diante, todas as pessoas são convidadas a serem como tu: atentas e amigas, confiantes e próximas, ousadas e previdentes, generosas na doação, joviais no espírito, discretas na acção. O farnel manifesta o teu modo de ser e a quantidade de alimento a tua maneira de proceder.
Agora tenho uma pergunta a fazer-te. Por que levaste cinco pães e dois peixes? Não era demais só para ti ou preocupava-te outra coisa? Inclino-me mais para esta segunda hipótese porque a bondade do teu coração desejava ouvir Jesus ainda que tivesses de correr alguns riscos. E também aceito que pressentias algo mais: a fome que podia vir, o descuido de alguém sem alimento, a possibilidade de seres útil. Parece-me que a tua imaginação abria horizontes ao teu coração. Ou então o episódio tem ainda outro sentido. É quase certo!
Admiro a prontidão do teu gesto. Confiante, partilhaste. Entregaste a André o que tinhas. Filipe olha estupefacto. Jesus assume o teu farnel, agradece a Deus a sua bondade e multiplica a tua generosidade. E a multidão sacia a fome com o alimento repartido.
Obrigado, rapazinho do farnel! Pela tua mocidade que se revela ser garantia da esperança de todas as idades da vida. Pela tua doação que rasga horizontes de proximidade. Pela partilha “do pão e do peixe” que manifesta uma nova relação com os bens. Pela atitude confiante que desvenda outro rosto de Deus no proceder de Jesus: É um Deus que se preocupa com a sorte da humanidade, que não é auto-suficiente, que aprecia a eficácia e a organização, que não prescinde da nossa colaboração.
Obrigado, rapazinho do farnel. A tua discreta intervenção põe em evidência para sempre uma grande mensagem: os milagres de Jesus passam pelas nossas mãos; os cristãos são convidados a comportar-se como pão que se parte e reparte por um mundo novo, por uma sociedade onde haja lugar para todos no banquete da vida.
Aceita o meu abraço amigo e agradecido!
Georgino Rocha