BACALHAU EM DATAS - 23
Caríssimo/a:
Voltemos ao ELITE e ouçamos a opinião do capitão Valdemar que nos ajudará, mais uma vez, a entrar com segurança em águas profundas:
«A alternância verificada no âmbito do apoio hospitalar às suas frotas, entre franceses e portugueses, ficou a dever-se às diferentes políticas económicas de desenvolvimento adoptadas pelos dois países, sobretudo após a entrada no século XX. Dissemos acima que o princípio da mudança entre os franceses foi anunciado com o aparecimento dos primeiros arrastões nos bancos no início do século, mais concretamente em 1907; no entanto, o grande incremento, a verdadeira grande revolução, só após o término da I Guerra Mundial se verificaria de modo fulgurante. À medida que a nova modalidade - pesca de arrasto - se ia impondo por força das incomparavelmente melhores capturas, com muito menos riscos para o pessoal, os navios veleiros da pesca à linha iam sendo gradualmente convertidos ou abatidos, consoante se tratasse ou não de unidades de boa dimensão e em bom estado de conservação. Mas a muito curto prazo, até esses navios transformados tinham desaparecido, sendo pois a frota francesa constituída na sua totalidade por unidades novas, feitas de raiz. E, em poucos anos, a visão dos veleiros franceses nas águas da Terra Nova era coisa de arquivo, fotografia em parede de escritório, ou recordação gravada na memória.
Em Portugal tudo se processou de modo bem diferente, mas por razões que convém esclarecer! Não se pense que não houve entre nós qualquer reacção aos ventos de mudança! Antes pelo contrário, o entusiasmo foi enorme e imediato, Entre nós, a primeira tentativa de enviar à Terra Nova um arrastão ocorreu em 1909 e partiu da Parceria Geral de Pescarias, da casa Bensaúde, sediada na Ilha do Faial, nos Açores. A escolha deste porto de armamento, situado a meio do Atlântico e, por conseguinte, a meia distância entre Portugal Continental e os bancos da Terra Nova, obedeceu a um plano estratégico bem delineado. O navio, chamado "ELITE", era de propulsão mecânica a carvão e estava preparado para trazer o bacalhau eviscerado, conservado em gelo granulado, fazendo viagens relativamente curtas – cerca de três semanas – entre saída e chegada ao porto de armamento. Eram estas, aliás, o tipo de viagens que entre nós se faziam ao Cabo Branco, quer em duração quer em conservação pelo gelo. Mas, infelizmente, por várias razões de ordem técnica, a experiência não correu bem, não resultou, o que foi pena, porque o fracasso desta iniciativa tão louvável, e levada a cabo num momento tão próprio, terá muito possivelmente contribuído para o abandono precipitado da modalidade nascente e para um maior apego à manutenção e desenvolvimento da modalidade ancestral, aliás apoiada numa mão de obra barata e de facílimo recrutamento ao longo de todo o litoral português, E esta é uma razão de consequência que não deve ser omitida.»
HDGTM, 42
E ao ELITE regressaremos, em breve, mas por outras razões.
Manuel