D. Manuel Martins
Frei Nuno de Santa Maria foi finalmente canonizado.
Este acontecimento não mereceu grande atenção a boa parte dos portugueses, sobretudo a nível dos responsáveis do país e de alguns dos meios de comunicação social.
Não vem para aqui a questão dos milagres exigidos pela Congregação para a Causa dos Santos.
Adianto só que, com todo o respeito pelas disposições da Igreja, julgo sinceramente que tais milagres não deviam funcionar como condição para a glorificação dos cristãos.
Além de saberem a tentação de Deus, acontece que muitos deles não convencem. Já D. António Ferreira
Gomes, nas célebres “Cartas ao Papa” põe clara e corajosamente esta questão. A Igreja, quero dizer mais propriamente, a Comunidade dos cristãos sabe bem quem é santo e merece, por isso, ser glorificado. Ao que vêm tantos exames aos escritos, ao que vem a audição de tantas testemunhas, ao que vem a perscrutação dos sentimentos do povo relativamente a este ou àquele cristão que viveu e morreu com fama de santidade?
O nosso Frei Nuno há muito tempo que estava canonizado pelo povo.
Quem olha atentamente para a nossa História do século XIV não terá dificuldade em reparar que Portugal estava a perder a alma, estava a fugir de Portugal. E foi o Condestável D. Nuno que deu
Portugal a Portugal, que fez com que Portugal se reencontrasse e pudesse assim perspectivar futuro.
Sem D. Nuno, Portugal seria uma apagada lembrança da memória.
Se calhar, até seria bom que parássemos um pouco para nos perguntarmos se o Portugal dos nossos dias não andará a fugir novamente de Portugal, se Portugal não andará por caminhos que o levem a perder a sua alma e a sua identidade.
Bastaria para tanto pensar em leis que atentam contra a família, contra a vida, contra tantas situações que têm a ver com o humanismo que deveria acompanhar situações de saúde, de trabalho, de educação de justiça, de respeito por valores e tantas coisas mais. Portugal está a afastar-se da sua matriz. Melhor, por razões de falso e perigoso poder, por razões ideológicas e filosóficas, muitos estarão a obrigar Portugal a fugir da sua matriz.
Claro que os tempos vão mudando e operam-se transformações profundas na sociedade. O ontem pertence à história e muitas vezes não fica dele senão uma amarga saudade. Mas, o que nos fez e faz não pode mudar. O que nos estruturou e estrutura não pode mudar. Estamos numa hora magnificamente exigente. Oxalá sejamos capazes de a apanhar como se impõe.
Manuel Martins,
Bispo Emérito de Setúbal