domingo, 14 de dezembro de 2008

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 107

O EXAME DA ADMISSÃO
Caríssima/o: Bem, entramos num assunto muito difícil para as actuais gerações; fazem lá ideia que para continuar na escola para além da quarta classe ou quarto ano era preciso outro exame, não era suficiente o que se tinha feito em Ílhavo! É lá possível?, perguntarão surpresos e com espanto. Mas era assim e muitos de nós, à cautela, fazíamos dois: um ao liceu e outro à escola industrial e comercial. Pois é!..., podia acontecer chumbar num e ficava a possibilidade de continuar os estudos no outro... Quer isto dizer que havia um grupo muito razoável que fazia três exames sobre as mesmas matérias, de princípios de Julho a meados de Agosto! A preparação para este exame, ou exames, era feita pelo Professor da 4.ª classe a pedido dos pais, mediante uma quase simbólica retribuição, e algumas vezes era o próprio Professor que «pedia» aos pais para deixarem que o filho continuasse a estudar, 'que era uma pena, o rapaz ou a rapariga, era bom aluno e esperto... seria bom que fizesse a admissão...', 'mas a vida está difícil; onde vamos arranjar...?', 'não se preocupem com nada, e eu ajudo em tudo o que puder'... E assim foi comigo e com tantos outros que ficámos a dever aos nossos Mestres mais este grande favor de motivarem os nossos Pais e de os convencerem numa época de fome a apertar ainda mais o cinto para que o filho fosse estudar! Bem hajam! Só depois da Páscoa é que começava a preparação a sério... e prosseguia depois do exame da 4.ª, continuando os alunos juntos na Escola da Ti Zefa. As provas tinham um grau de dificuldade mais exigente e o critério de classificação também mais apertado, pelo que a reprovação era encarada com alguma naturalidade e batia a muito boas portas. Na escrita lá estava o famigerado ditado, mas o número de erros permitido era muito menor e a redacção que se fazia na segunda página era como um discurso com um número mínimo de palavras; a aritmética e a geometria também puxavam bem mais pelos conhecimentos e pelas capacidades dos alunos; ainda o desenho não era a brincar... Curiosamente é desta última prova que me recordo com um sorriso de complacência: o meu Professor Salviano até arranjou um espião que foi espreitar qual o modelo e logo ali o esboçou e exemplificou para mim, que visse como era fácil... Não consigo explicar, mas o lado direito do jarro que estava empoleirado até ficou jeitoso com as curvas todas direitas, agora o lado esquerdo... eu inclinava-me para ver se ficava igual ou parecido com a outra metade, mas qual quê, fazia apagava fazia apagava... cansado e qual artista cubista, puxo do lápis e zás! Um traço a direito como que a dizer a quem corrigisse a prova que pelo espelho que era esse traço visse a outra metade! Mas escapei e fui à oral, onde apareceram três senhores doutores que depois conheci muito bem: Rocha, Patrício e Orlando. O do meio, também em Geografia e História, ouviu, ouviu e no fim sai-se: “p'rò ano temos que falar para esclarecer umas coisas!” (sempre a duvidarem do que tinha aprendido no tal quarto!...) Esta oral foi no Liceu Velho, no Zé 'Stêvão, na Praça, numa sala esquisita, com escadas; vim a saber no ano seguinte que era o Anfiteatro! Lá estava o quadro preto onde foi proposto e resolvido um problema com seis operações! Creio que fica bem aqui um aparte: houve no Liceu um professor famoso em Matemática, o Doutor Carneiro; na Escola Industrial não lhe ficava atrás o Doutor Damas. Para verem a capacidade dos alunos pespegavam-lhe com a tabuada dos 11 (depois ensinavam-lhes o truque!...) e com problemas fáceis mas... “Vais daqui até à Barra e dás, por hipótese, 1001 passos. Quantos passos dás numa viagem de ida e volta?” “2002!...” “Errado!” “Errado? Então 1001+1001...” “Pois é, mas esqueceste-te que tens de atravessar a rua!...”
Manuel

5 comentários:

  1. Obrigada pelo texto..fez voltar memórias...boas

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  2. Tive óptimos professores e fui aluno de Fisica e Química do conhecido Doutor Damas. É com pena que digo ter sido este o único professor a quem não reconheci capacidade para ensinar apesar de ser uma pessoa dotada de Saber. Talvez devido à idade, falava de muitas coisas fora do âmbito da disciplina que leccionava, e em troca de uns "cachaços" que levávamos ia distribuindo os 29 valores pelos 3 períodos,de modo que íamos passando até ao ano em que havia exame. Aí, ou metíamos explicador ou o mais certo era "chumbar". A minha sorte foi o seu limite de idade no 2º período. Foi substituido pela Prof.ª Teresa Pontes (uma jovem) a quem pusemos logo o problema. Mandou-nos comprar o livro aprovado e em três meses ensinou-me toda a matéria para passar no exame com 13. O Doutor Damas foi para mim um verdadeiro terror e tudo o que eu queria era aprender. No curso seguinte fui um aluno de 16 a esta disciplina.

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  3. O cometário anterior é da auroria de

    João Marçal

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  4. Amigo!
    A piada com que termina o texto.....é genial!
    Uma ratoeira...mas que serve de "pasto" a uma tertúlia de bons vivants!
    DA

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  5. Aquilo é que era coleccionar exames! Eu, 'inda fiz o da 3ª classe e continuei a fazer até à (di)Fi(a)culdade.... Será, que quem fez assim tantos exames....pela vida fora e adentro.
    ..... ainda faz, hoje, em dia, o "exame de consciência? Fica a pergunta no ar!
    DA

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