João da Esquina
Comparar a Escola Portuguesa actual com a da década de 60 exige um exercício de concentração e de análise profunda.
Baseada na pedagogia do “Magister dixit”, regia-se por uma construção do saber, autocrática, disciplinadora. Do seu estrado, o mestre debitava o saber, em discurso baseado na unilateralidade de ideias. O aluno ouvia e, quer concordasse quer não, tinha que aceitar a palavra do mestre como verdade insofismável.
Quem como a teacher está neste contexto de actividade sabe, sente na pele, no seu quotidiano, que a Escola hodierna está nos antípodas deste conceito de ensinar.
Hoje, o aluno está no centro das atenções, das actuações, das preocupações! E na avaliação? Nessa... ganha-lhe o professor! Pelo menos, assim dizem os nossos governantes, nomeadamente a tutela da educação.
Reportando-se à áurea década de 60, em que estudava ao som da música dos Beatles, em que trauteava e percorria na memória as letras lindíssimas das suas canções, lembra, com saudade, o ambiente de paz, ordem e respeito que se vivia. Que bom era ser professor... nessa época remota!
Hoje, a Escola é geradora de conflitos, houve a massificação, nem sempre a integração da diferença se faz de forma eficaz e temos o caos que se vive e que vai estendendo os seus tentáculos!
Numa dessas aulas conturbadas, em que a disciplina teima em não vingar, a teacher recorda um episódio, que se tornou recorrente na sua prática lectiva.
Quando, no decurso da aula, voam aviõezinhos de papel, bocadinhos de borracha aterram na cabeça ou no livro do aluno que teima em estar atento, quando bolinhas de papel mastigado, lançadas como projécteis pelos canos vazios das esferográficas vão cair na mesa do professor, quando surgem grunhidos oriundos duma selva distante das terras gafanhoas, ou o relinchar perfeito dum puro sangue equino, etc., etc., etc., a teacher desespera! Não entrou ainda na hagiografia portuguesa!
Depois de muitas vezes ter admoestado os alunos para estarem atentos às tarefas da aula e de ter interceptado algum OVNI (!?), interroga, já fora de si:
- Quem foi, desta vez, o autor da “brincadeira”?
Ninguém se acusa, numa cumplicidade fraterna, pouco consistente no mundo mesquinho dos adultos. Depois de várias vezes instados para que se acuse o transgressor, a teacher atira para o ar:
- Não foi ninguém, pois não? Deve ter sido o João da Esquina...
Na intenção de excluir os nomes dos possíveis intervenientes, os Fábios, Sandros, Hugos, Marcos e outros mais, estrangeirados, ocorre-lhe um nome, bem português, disseminado a esmo, nas cédulas de nascimento de há décadas atrás! A figura rubicunda de João da Esquina que emparceira ao lado de João Semana e José das Dornas, assoma à memória, como um nome clássico, bem representativo do homem português... Numa observação perspicaz, pergunta um aluno:
- Quem é esse senhor, setôra? Está sempre a falar nele!
Júlio Dinis, “As Pupilas do Senhor Reitor”... PNL (Plano Nacional de Leitura).
E assim, sem ser detentora da “cátedra” de Língua Portuguesa, a teacher contribui para o fomento da leitura na sala de aula!
Mª Donzília Almeida