Beijinhos...
Passou pela linda zona piscatória das Caxinas, no seu périplo, como docente, neste “jardim florido à beira-mar plantado”.
Na verdade,
“Vila do Conde espraiada,
entre pinhais, rio e mar...”
traz-lhe gratas recordações, da já longínqua década de 80. Todos os dias, na sua peregrinação para a Escola, passava religiosamente, pela casa do poeta José Régio. O excerto do seu poema, cantando e enaltecendo a cidadezinha do litoral, vinha-lhe sempre à memória e mentalmente o recitava, mantendo-lhe o ritmo e a musicalidade. Era uma apaixonada pela poesia, pelo José Régio..., pela beleza das coisas...
A cidade, outrora ainda uma vila, evoca-lhe um episódio ternurento, passado no interior duma sala de aula. Um dia, ao apresentar um novo assunto, que tinha a ver com as actividades de lazer, vulgo, hobbies, interpelou os alunos sobre o tema. Dentre as várias formas de ocupar os tempos livres de forma lúdica, referiram alguns alunos que se dedicavam ao coleccionismo: caricas, calendários de bolso, canetas, berlindes, caixas de fósforos, etc. A professora, na intenção de se imiscuir com a massa discente, referiu também a colecção a que se dedicava e que lhe proporcionava um grande prazer: as conchas!
- Sim? - Perguntaram os alunos com ar de espanto.
- Gosta de coleccionar conchas setôra?
- É que aqui, na praia das Caxinas, há muitas!
A Professora arregalou os olhos e fantasiou logo, a aquisição daquelas preciosidades.
Hoje em dia, muita gente se dedica a esta arte, tão bela, quanto poética, no meu simples entender.
Com efeito, aquela professora transmitiu ali, aos seus alunos, quanto admirava essas maravilhas da natureza. Sem a intervenção da mão humana, como era possível, darem à praia autênticas obras de arte, das mais variadas formas e coloridos? Extasiava-se aquela criatura na admiração destas peças de arte, sem artifícios!
Dias depois, esquecido já o episódio das conchas, durante uma aula, interpela um aluno, a professora:
- Setôra! Posso dar-lhe beijinhos?
Pelo inusitado da pergunta, a professora ficou surpresa, mas anuiu, com alguma hesitação.
Por que não? Que mal há nisso?
O aluno levanta-se do seu lugar, dirige-se à mesa da professora e exibe a mão direita aberta, cheia de “beijinhos”!
Era uma espécie de conchinhas muito pequeninas, mas que pela sua configuração se assemelhavam a bocas minúsculas, com os lábios sobrepostos. E... o que sugerem as bocas? Beijinhos... daí o nome pitoresco das referidas conchinhas.
Passadas já duas décadas do incidente, conserva ainda os tais “beijinhos”, bem guardados e expostos, juntamente com outros exemplares da colecção! Todos os dias, admira as suas conchinhas e recorda este episódio do seu já vasto reportório.
A força do mar, nas Caxinas, arroja à praia estas “pérolas” marinhas!
Maria Donzília Almeida