Recebi ontem, 5 de Agosto, cerca das 20 horas, a triste notícia do falecimento de D. Manuel de Almeida Trindade, primeiro Bispo Emérito de Aveiro, em Coimbra, onde fixou residência depois de ter deixado Aveiro, em 1988. Depois dessa data, nos aposentos que lhe destinaram, no Seminário onde fora aluno e reitor, aí continuou a sua caminhada de cristão como nós e de Bispo para nós. Não só rezando e meditando, mas também lendo e escrevendo, aproveitando inúmeros apontamentos e registos que guardou ao longo da sua vida de seminarista, presbítero e bispo, partilhando com os seus leitores vivências, testemunhos, impressões, emoções e saberes, na perspectiva de um apostolado consciente e responsável.
D. Manuel entrou em Aveiro precisamente na época conciliar (Vaticano II), tendo participado nos seus trabalhos, ainda antes de ser ordenado bispo. Por isso, D. Manuel esteve perfeitamente identificado com a renovação da Igreja proposta pelo concílio, por muitos considerado o fulcro da maior revolução eclesial do século XX. Porém, se foi importante esse facto, de que veio a beneficiar toda a vida da Igreja Aveirense, pessoalmente atrevo-me a recordar, hoje, tão-só o bispo que me marcou pelo seu trato simples e afável, o teólogo que me fez pensar nos mistérios e na grandeza de Deus, o homem que era capaz, sem qualquer dificuldade, de falar com a criança ingénua e com o idoso carente de ternura e de compreensão. Ainda com o culto e com o inculto, seguindo o princípio de que é mais importante ouvir do que falar. Lembro também que era pessoa atenta à sua obrigação de concluir qualquer conversa com um conselho oportuno, com uma admoestação fraterna, com um preceito evangélico pertinente.
D. Manuel, que algumas vezes me segredou ser cristão connosco e bispo para nós, parafraseando Santo Agostinho, manteve, com muita simplicidade, uma postura humilde, a par de um sentido de fraternidade evangélica muito grande. Teólogo atento aos ventos da história, aberto às preocupações e anseios das pessoas, das quais se considerava igual, manifestava a todo o momento, com terna naturalidade, a missão profética de que estava investido, que o levava a intervir, na praça pública, com determinação, enfrentando poderes que ousaram menosprezar o estatuto e os valores da Igreja, que sentia ser sua obrigação defender, quer como presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, quer como bispo e como cidadão, posição de que nunca abdicou. Homem de proximidade, encantava quantos com ele se relacionavam, e nas visitas pastorais procurava usar uma linguagem que fosse compreendida por todos, letrados ou analfabetos, jovens e menos jovens.
Um dia escrevi um texto sobre o seu livro “Memórias de um Bispo”, obra repleta de vivências e de testemunhos, de pessoas e acontecimentos, que retrata uma vida cheia de amor a Deus e aos homens seus irmãos. Recomendei-o para leitura “obrigatória” de férias. D. Manuel teve então a gentileza de me endereçar um cartão simpático, com considerações elogiosas, que eu estava longe de esperar e de merecer. “… De todas as recensões a sua foi uma das que mais gostei. Apanhou-me todo! … Aqui lhe deixo um abraço de sincero agradecimento e também de louvor por ter apanhado a alma do livro.” D. Manuel era assim. Partiu agora para a Casa do Pai, ao fim de uma vida longa e cheia de Jesus Cristo. Uma vida que deu vida à Igreja Aveirense. Uma vida que nos legou a todos marcas indeléveis de paz e bem, da Graça de Deus e do sentido apostólico. Que Deus o acolha no seu seio, com muita ternura…
6 de Agosto
Fernando Martins