Sacerdotisas?
1. A sábia prudência pode conduzir a não problematizar. Mas o encarar os horizontes de futuro obriga a reflectir. Nem seguir as euforias do progressismo nem o fechar da reflexão como se a história não fosse por essência (divina) aberta e à descoberta. Não é novidade para ninguém a matriz patriarcal como noção de “serviço/poder” do judeo-cristianismo, factor que presidiu à configuração das religiões monoteístas e igrejas ao longo dos tempos, mas que retardou mesmo a assumpção social e cultural do horizonte do feminino nas sociedades. A própria possibilidade de um debate teológico aberto, metódico e coerente, no seio das instâncias do Vaticano é ainda uma miragem; a noção de uniformidade de pensamento num dado tão acessório como a “ordenação de mulheres” é bem pesada, o que condiciona toda a estrutura eclesial a não poder dizer outra coisa senão o que diz a estrutura superior: que o assunto está bem como está e que não é sequer para pensar nele!
2. Se se fosse, efectivamente, a pensar a sério nestas questões concluía-se algo tão simples como que Jesus Cristo não fez acepção de pessoas em termos de género (masculino ou feminino) e que escolheu, naturalmente, condicionado pela cultura patriarcal sua contemporânea, e que hoje escolheria seis homens e seis mulheres; ou melhor convidaria culturalmente em função da competência e liderança e não de qualquer outro critério como o de género ou de raça. Esta conclusão, tão simples, a par de outras mais complexas obrigaria a terminar o “discurso da compensação”, quando se procura “iludir o sol com a peneira” ao dizer-se que «a mulher tem na Igreja um papel fundamental» e possui mesmo uma «visibilidade muito grande», como se refere nestes dias (pelo presidente da CEP), fundamentando a rejeição ao pensar da ordenação de mulheres e, ainda, dizendo que entre a própria comunidade protestante o assunto não é pacífico…
3. Sente-se que o mundo precisa mesmo de profetas. A admissibilidade da ordenação de mulheres (e referimo-nos exclusivamente a esta matéria), assunto sensível que vem à tona da água em momentos em que a comunidade anglicana antecipa o futuro, simboliza hoje a necessidade de ir à essência do Cristianismo. O ano dedicado a São Paulo, que faz 2000 anos de nascimento, poderia ser oportunidade de abrir, ao jeito ousado de Paulo, alguns “dossiers” de algumas “questões” absolutamente acessórias (que continuam a ser faladas nos bastidores), mas hoje mais importantes que nunca, em relação à força central da Mensagem de que as igrejas são na história o esforço da presença viva. A sociedade civil, nesta questão concreta da coerência de género, vai muitíssimo à frente. É, naturalmente, preciso coragem (Paulina) para aprender dos valores do bem comum sabendo situar-se no tempo cultural presente. É evidente que não dizemos que tudo o que é tido de “moderno” é bom, de maneira nenhuma…
4. Também há quem veja nesta questão uma dimensão de reivindicação feminista; de maneira nenhuma, não é isso. Será sim, a necessidade séria, coerente e urgente de aprofundar o essencial do Cristianismo, de “joeirar” o que foi sendo a “ferrugem” da história e aceitar a conversão no novo e desafiante tempo do séc. XXI (B. Haring). Esta questão do sacerdócio feminino, com seriedade e serenidade, talvez seja uma dessas questões decisivas. Não a querer ver, primeiramente como sério debate, é fechar a portas ao presente-futuro. E tanto que o mundo precisa de “ar fresco”! A prudência, quando apreendida da viagem da história, conduzirá à abertura de espírito nas grandes questões; até porque o que se deseja para o mundo tem de ser viver “ad intra”. Toda esta reflexão no “princípio da racionalidade” (ponto de contacto com o mundo que se procura servir), que tudo sabe fundamentar e debater, não é nada de novo…